Ontem tive o desprazer de ler coisas tão desagradáveis numa rede social que me deixaram com um gosto de fel na boca. Antes de relatar o acontecido, quero deixar claro que essa postagem não tem nenhuma intenção de denegrir, descredenciar ou manchar a índole, o trabalho ou a competência de ninguém. Deixo claro que a pessoa de quem tratarei aqui é um professor da área de Direito em mais de uma instituição de ensino superior, um excelente profissional, com excelentes referências, bem preparado (até onde tenho conhecimento, tem nível de mestrado), mas nem por isso está isento de errar e, em minha opinião, perdeu ótimas oportunidades de ficar calado.
Vejamos: o supracitado indivíduo postou numa rede social um comentário sobre o esporte popularmente conhecido como MMA. Em seu comentário ele disse que o MMA é um retrocesso, um incentivo à violência, uma invasão do espaço dos "verdadeiros" esportes e que se trata apenas de um modismo midiático. São tantas falácias dentro de tão curto espaço que chega a ser vergonhoso.
Provavelmente o "nobre colega" (como os advogados costumam tratar-se dentro dos tribunais) desconhece a máxima popular que diz que cada macaco deve manter-se no seu galho. Se ele não é da área educação física, não está credenciado a dizer qual esporte é verdadeiro e qual é falso. Sua formação em Direito não lhe confere direitos de conceituar o que é esporte, mesmo porquê esse terreno conceitual é muito movediço e pantanoso. Até mesmo os profissionais formados em áreas diretamente ligadas ao esporte têm dificuldade em estabelecer conceitos e demarcar os limites do que seja esporte, jogo e luta, haja vista que em muitos casos eles estão extremamente imbricados.
Provavelmente o professor desconhece algumas coisas básicas, como o histórico do MMA. O termo MMA significa, a grosso modo e em sua forma aportuguesada, artes marciais mistas. É uma mistura de técnicas de vários tipos de artes marciais e remonta aos jogos olímpicos gregos ainda no ano de 648 d.C. Se é uma moda, portanto, é uma moda que já existe há bastante tempo. Ao contrário do que ele pensa, não é o esporte que está ficando popular por causa da mídia, é a mídia que está abrindo espaço porque o esporte já é do gosto popular. Ora, não sejamos tolos, desde a antiguidade a humanidade já tem uma queda por sangue. O próprio Sigmund Freud em seus estudos debruçou-se sobre o tema da violência e percebeu que, ao lado da sexualidade, ela tem fortíssima propagação entre os impulsos humanos. Se existe há tanto tempo e é uma combinação de outras artes marciais, o MMA não pode ser considerado um retrocesso. No máximo, ele seria uma continuação do retrocesso (se fosse o caso). E mais: se o MMA é uma selvageria, devemos colocar no mesmo pacote o jiu-jitsu, o muai-thay e todas as outras lutas. Se levarmos em conta que só ocorre violência quando há um agressor e um agredido, não podemos considerar o MMA como uma violência, logo, também não é selvageria. Basta entender o mínimo sobre o esporte para saber que os competidores são conscientes do perigo, preparados fisicamente, estão em condições de igualdade e são beneficiados e protegidos por regras que regem o esporte. Existe um regulamento! MMA não é uma bagunça e eles não se matam!
Ao citar a política do pão e circo e comparar os lutadores de MMA aos gladiadores da Roma Antiga, ele entra em um outro território que não é o dele, é dos historiadores. Entrando nessa seara que não domina, ele comete um grave anacronismo (tentativa de aplicar o costume de uma época a outra): diz que os gladiadores estão retornando com força total. Reparem: gladiadores e lutadores de MMA não são a mesma coisa. Os gladiadores eram em sua maioria escravos e não tinham a opção de não lutar. Os lutadores de MMA o fazem por opção e não por imposição. Também temos que levar em conta que gladiadores perdiam suas vidas em arenas por estarem em um confronto sem regras e onde a morte era bem vinda. O MMA tem inúmeras regras. E mais ainda: o fator que eternizou a luta de gladiadores como peça fundamental da política do pão e circo não foi a violência cometida e sim a espetacularização. Não precisa ser violento para ser pão e circo. Qualquer coisa pode ser parte de uma política de pão e circo, qualquer espetáculo, qualquer coisa que desvie a atenção do povo dos problemas políticos. Olhando por tal ótica, o futebol se enquadra perfeitamente.
Provavelmente o professor desconhece algumas coisas básicas, como o histórico do MMA. O termo MMA significa, a grosso modo e em sua forma aportuguesada, artes marciais mistas. É uma mistura de técnicas de vários tipos de artes marciais e remonta aos jogos olímpicos gregos ainda no ano de 648 d.C. Se é uma moda, portanto, é uma moda que já existe há bastante tempo. Ao contrário do que ele pensa, não é o esporte que está ficando popular por causa da mídia, é a mídia que está abrindo espaço porque o esporte já é do gosto popular. Ora, não sejamos tolos, desde a antiguidade a humanidade já tem uma queda por sangue. O próprio Sigmund Freud em seus estudos debruçou-se sobre o tema da violência e percebeu que, ao lado da sexualidade, ela tem fortíssima propagação entre os impulsos humanos. Se existe há tanto tempo e é uma combinação de outras artes marciais, o MMA não pode ser considerado um retrocesso. No máximo, ele seria uma continuação do retrocesso (se fosse o caso). E mais: se o MMA é uma selvageria, devemos colocar no mesmo pacote o jiu-jitsu, o muai-thay e todas as outras lutas. Se levarmos em conta que só ocorre violência quando há um agressor e um agredido, não podemos considerar o MMA como uma violência, logo, também não é selvageria. Basta entender o mínimo sobre o esporte para saber que os competidores são conscientes do perigo, preparados fisicamente, estão em condições de igualdade e são beneficiados e protegidos por regras que regem o esporte. Existe um regulamento! MMA não é uma bagunça e eles não se matam!
Ao citar a política do pão e circo e comparar os lutadores de MMA aos gladiadores da Roma Antiga, ele entra em um outro território que não é o dele, é dos historiadores. Entrando nessa seara que não domina, ele comete um grave anacronismo (tentativa de aplicar o costume de uma época a outra): diz que os gladiadores estão retornando com força total. Reparem: gladiadores e lutadores de MMA não são a mesma coisa. Os gladiadores eram em sua maioria escravos e não tinham a opção de não lutar. Os lutadores de MMA o fazem por opção e não por imposição. Também temos que levar em conta que gladiadores perdiam suas vidas em arenas por estarem em um confronto sem regras e onde a morte era bem vinda. O MMA tem inúmeras regras. E mais ainda: o fator que eternizou a luta de gladiadores como peça fundamental da política do pão e circo não foi a violência cometida e sim a espetacularização. Não precisa ser violento para ser pão e circo. Qualquer coisa pode ser parte de uma política de pão e circo, qualquer espetáculo, qualquer coisa que desvie a atenção do povo dos problemas políticos. Olhando por tal ótica, o futebol se enquadra perfeitamente.
A acusação de que o esporte incita à violência é a mais tola de todas. Se formos dizer que as artes marciais incentivam a violência, devemos considerar também que a Fórmula 1, o motocross e outras corridas incentivam o excesso de velocidade. É bem elementar. Acho engraçado que nunca chegou ao meu conhecimento NENHUM caso de pancadaria e quebra-quebra depois das lutas do MMA ou UFC, já em esportes "pacíficos" e "civilizados", como o futebol, a violência dos torcedores é recorrente.
Infelizmente, isso foi só o começo. Posteriormente, ele disse que o MMA era o domínio da irracionalidade e que tinha a sensação de que a massa encefálica dos lutadores era afetada por tanta selvageria e que eles não deviam possuir discursos racionais. Conseguiram entender a gravidade do discurso? Insinuar que um lutador seja incapaz de discursos racionais é cometer a leviandade de generalizar e propagar um preconceito. É uma insinuação (velada, obviamente) de que todo lutador é burro. Estereotipação é o nome do que ele está fazendo e inscreve-se no mesmo discurso preconceituoso que diz que toda loura é burra, que todo pobre é ladrão, que todo negro é favelado, que todo gay é promíscuo, que toda mulher que gosta de futebol é sapatão e que todo homem tatuado é um malandro.
Após receber uma chuva de comentários discordantes, ele chegou a uma conclusão: nos dividimos em dois grupos, os que gostam da selvageria e os que preferem a racionalidade. Que pensamento maniqueísta mais tosco! Quer dizer que a gente só pode ser preto ou branco, bom ou mau, selvagem ou racional? Não somos muito mais complexos que isso? Quer dizer que se eu gostar de assistir uma luta eu estou condenado a viver na irracionalidade? Penso em quão tola uma pessoa é ao pensar que mesmo a selvageria não pode se inscrever no terreno da racionalidade. Os europeus cometeram a selvageria de exterminar tribos indígenas inteiras, mas nem por isso eles foram irracionais. A selvageria foi cometida em nome de uma política de dominação que lhe era lucrativa, logo, racional. Nem todo mundo que comete selvageria é irracional.
Não podendo me calar diante de tantos equívocos, eu disse que ele estava sendo generalista e preconceituoso. Ele, em contrapartida, me deu uma "dica", a de que eu deveria tomar cuidado com as minhas conclusões, e não deveria falar de quem não conhecia. Será que ele conhece todos os lutadores de MMA para estar tendo a sensação de que eles não tem discursos racionais?
O fato é que as pessoas precisam entender que quando elas criam um tópico depreciativo sobre alguma coisa baseando-se em "sensações" que elas tem, estão dando aos outros o direito de também julgá-las baseando-se em "sensações" tidas sobre elas. Somamos a isso a intolerância: ele pode ter sensação de que lutadores de MMA são seres desprovidos de racionalidade mas eu não posso ter a sensação de que ele está sendo preconceituoso e generalista. Bem maduro, não? O protagonista da nossa história deveria também conhecer outra máxima popular, a que diz que quem fala o quer, ouve o que não quer. E mais: para a gente chegar numa rede social e criticar alguma coisa a gente tem que ter o mínimo de informação a respeito dela. Até para falar mal, é preciso conhecer. A relevância do comentário também poderia ser observada. Já dizem os orientais: "Quando fores falar, cuida para que as suas palavras sejam melhores do que o silêncio". No português claro: se for para falar merda, fica calado.
A título de informação para o nobre colega e demais interessados, as lutas são trabalhadas pelos profissionais de educação física até mesmo na escola por ser elemento da cultura corporal e, ao contrário de incitar à violência, tem outras finalidades: despertar a consciência corporal, aprimorar as habilidades, melhorar a postura e o equilíbrio além de aumentar a força, a agilidade, o reflexo e a capacidade de concentração. As artes marciais possuem inclusive, direções filosóficas e são reconhecidas como esporte por fomentar o método da autodefesa, exercício de condicionamento físico e desenvolvimento espiritual. Sendo assim, a despeito do que o nosso advogado ache ou deixe da achar, as artes marciais são esportes legitimados por quem é de direito, e, portanto consideradas como esporte tão verdadeiro como o futebol, o tênis, o vôlei ou a Fórmula 01 que já são (muito mais que o MMA) explorados pela mídia há décadas e ninguém fala nada.
No fim das contas, ficou o aprendizado: aprendi que o acúmulo de funções e títulos acadêmicos não são sinônimo de gente tolerante, consciente, esclarecida e que ainda estamos longe, muito longe, de conseguirmos vencer os preconceitos e nos libertarmos da maldita mania de depreciar o outro para nos sentirmos melhores, mais racionais e mais civilizados.
A título de informação para o nobre colega e demais interessados, as lutas são trabalhadas pelos profissionais de educação física até mesmo na escola por ser elemento da cultura corporal e, ao contrário de incitar à violência, tem outras finalidades: despertar a consciência corporal, aprimorar as habilidades, melhorar a postura e o equilíbrio além de aumentar a força, a agilidade, o reflexo e a capacidade de concentração. As artes marciais possuem inclusive, direções filosóficas e são reconhecidas como esporte por fomentar o método da autodefesa, exercício de condicionamento físico e desenvolvimento espiritual. Sendo assim, a despeito do que o nosso advogado ache ou deixe da achar, as artes marciais são esportes legitimados por quem é de direito, e, portanto consideradas como esporte tão verdadeiro como o futebol, o tênis, o vôlei ou a Fórmula 01 que já são (muito mais que o MMA) explorados pela mídia há décadas e ninguém fala nada.
No fim das contas, ficou o aprendizado: aprendi que o acúmulo de funções e títulos acadêmicos não são sinônimo de gente tolerante, consciente, esclarecida e que ainda estamos longe, muito longe, de conseguirmos vencer os preconceitos e nos libertarmos da maldita mania de depreciar o outro para nos sentirmos melhores, mais racionais e mais civilizados.
1 comentários:
Como sempre, espetacular!
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