Demorei um pouco para escrever sobre os dois assuntos que monopolizaram as atenções de todos os veículos de comunicação nos últimos dias: A morte precoce da cantora Amy Winehouse e os atentados ocorridos na Noruega. Primeiro veio a dúvida sobre qual deles escrever pois não estava nos planos escrever sobre os dois, até mesmo pelo fato de que, teoricamente, um não têm nada a ver com o outro. Depois me veio a vontade de observar como se comportaria a mídia e a sociedade. Após observação e algumas leituras, eu percebi uma possível ligação entre tragédias tão diferentes. A primeira, uma morte anunciada; a segunda uma surpresa nefanda.
Este tempo de observação foi crucial para que eu percebesse o que une os dois temas: A hipocrisia. Vejamos cada um separadamente:
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"Na ilha de Utoya ao norte de Oslo, capital da Noruega, um homem armado abriu fogo contra os participantes de um acampamento de jovens, organizado pela juventude do Partido Trabalhista Norueguês, que atualmente está no governo do país. Entre 400 e 600 pessoas participavam do evento e quase 80 foram mortas no atentado. O atirador, vestido com um uniforme de policial, entrou no local e começou a disparar contra os jovens. Era prevista uma visita do primeiro-ministro Jens Stoltenberg ao acampamento. O autor dos disparos, Anders Behring Breivik, de 32 anos, é um fundamentalista cristão, ligado à extrema-direita e à maçonaria, neoconservador e vocal defensor do Estado de Israel" (Fonte: Wikipedia)
A última mensagem que Breivik publicou no Twitter remonta a 17 de Julho e é uma citação de um filosofo inglês, John Stuart Mill: “Uma pessoa com uma crença tem tanta força como 100 mil pessoas que não têm mais do que interesses”. Anders Behring Breivik, define-se como “conservador”, “cristão”, amante de caça e de jogos de consola. Descreve-se também, na sua página facebook, como um ”nacionalista”.
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"A cantora inglesa Amy Winehouse tinha 27 anos e um histórico de envolvimento com álcool e uso de drogas. Alvo constante dos tabloides ingleses por sua rotina de abuso de drogas, brigas e escândalos conjugais com o ex-marido, Blake Fielder-Civil, também viciado em drogas, Amy foi presa por duas vezes em 2008. A cantora foi encontrada morta em sua casa, em Londres, neste sábado (23/07), segundo a Polícia Metropolitana de Londres vítima de uma overdose." (Fonte: G1)
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A vida é realmente uma caixinha de surpresas. Quem diria que uma drogada, barraqueira e bêbada como Amy Winehouse seria a responsável por jogar o colete salva-vidas para uma sociedade que começaria a se debater, afofando-se no que seria um grande problema? A morte de Amy aconteceu um dia depois dos atentados na Noruega e serviu para 'ofuscar' um pouco a repercussão do mesmo. Certamente, a morte precoce da cantora escondeu algumas verdades e fez com que se passassem desapercebidos dois problemas sérios, um relacionado ao preconceito explícito e outro relacionado com a hipocrisia.
Explico: Chocados com a carnificina dos atentados na Noruega, TODOS os veículos de comunicação apressaram-se em colocar a culpa em alguém. Quem seria o monstro capaz de causar uma explosão e entrar atirando covardemente e ceifando a vida de dezenas de jovens? Resposta fácil: um terrorista islâmico. Não são os islâmicos que explodem carros-bomba? Não são eles os monstros que atormentam a vida dos cristãos em todo mundo? Não são eles (e só eles!) os fundamentalistas, os cegos e fanáticos que espalham o terror pelo planeta? Estava óbvio que o responsável pelos ataques era um monstruoso muçulmano alienado. Qual não foi a surpresa de toda imprensa mundial! Ao invés de um baixinho barbudo com a cabeça coberta por um turbante e ideias absurdas causadas pela ação do fortíssimo sol do deserto do Oriente Médio, o autor do ocorrido era alto, louro, de olhos claros, intelectualizado, nascido e criado em um país Ocidental de primeiro mundo, e, pasmem todos, CRISTÃO.
É neste momento da conversa que entra a 'Hipocrisia nossa de cada dia'. Além do preconceito expresso no fato de se condenar de antemão um muçulmano por uma chacina causada por um cristão, a mídia oculta informações relevantes. Ao noticiar os atentados, sempre omite o fato do cara ser cristão e nunca, eu disse NUNCA, o trata como fundamentalista ou terrorista. Esses termos são resguardados para os islâmicos. Eles sim são terroristas! Um cristão que pratica o mesmo ato de fundamentalismo é tratado como "ativista" ou "atirador". Nunca ele é retratado como alguém que espalha o terror. Gente nojenta! Não passam de hipócritas que varrem sua sujeira para debaixo do tapete ao invés de limpar a casa corretamente. Ao invés de abrir o assunto e se discutir o problema do fundamentalismo, que é não é uma prerrogativa islâmica, a sociedade prefere apelar para o ocultamento.
É mais cômodo esconder que ideias extremadas podem surgir de qualquer lugar, de qualquer religião, de qualquer cultura e que, vindo de onde vier, é sempre um mal. O fundamentalismo é baseado, antes de mais nada, em certezas. Como eu tenho medo das certezas! Elas cegam pessoas, engessam pensamentos, congelam sentimentos. Certa está Clarice Lispector, que reconhece que o que não sabemos é a nossa melhor parte. O fundamentalismo, fecha as portas a um diálogo crítico. A não contraposição de ideias põe em risco o desenvolvimento humano, cria a unanimidade e, como sabiamente observou Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. Lembro-me perfeitamente de uma discussão que tive há meses atrás com uma amiga evangélica. Indiquei um texto interessantíssimo para que ela lesse e pensasse sobre algumas coisas e ela me disse: "Não vou nem ler. Eu já conheço A verdade. Conhecer, filiar-se e apegar-se a uma única verdade é matar a própria capacidade de crescer. Mas onde Amy entra nesta história? Ora, Amy Winehouse é o tapete, mas não menos vítima da hipocrisia e da maldade da sociedade.
Quando a sua morte foi anunciada na rede eu estava online e acompanhei tudo de perto, desde os prantos dos fãs até a interminável lista de piadas envolvendo a morta, as drogas e o álcool. Sob os meus olhos vi desfilar toda espécie de comentários. Os jornalistas aproveitaram todo esse vendaval para simplesmente engavetar os aspectos mais ominosos da bagunça causada por Breivik. Por que esculachar um cristão se tem uma louca drogada para falarmos mal? Por que não a usarmos como bode expiatório? Por que não usarmos o seu drama e a sua vida infeliz para esconder os nossos dramas e parecermos tão mais sóbrios e inteligentes?
Antes de continuar, que fique bem claro aqui que eu não sou fã da Amy e não faço apologia às drogas ou bebidas. Nunca gostei da cantora, não bebo e nunca sequer cheguei perto de consumir alguma droga, nem mesmo cigarro. Não estou aqui como um fã ressabiado por estarem falando mal da minha ídola. A voz de Amy não me agrada e acredito que se ela fez sucesso foi muito mais por oferecer uma alternativa diferenciada de música do que por talento vocal. Estou aqui como alguém escandalizado com a hipocrisia. Aliás, para mim a hipocrisia entorpece tanto quanto a cocaína que Amy cheirava compulsivamente.
Algumas horas após o anúncio do falecimento da cantora, muita gente já reclamava que não aguentava mais ouvir nada a respeito. Ressurgem então, as Madres Terezas de Calcutá. Gente de alma muito limpa, muito abnegada e muito preocupada com as mazelas do mundo. Muita gente postando no Facebook e Twitter que "morrem milhares de pessoas de fome todo dia e ninguém dá importância, aí vem uma drogada e morre, causando uma revolução". Quanta falta de senso do ridículo e quanta hipocrisia! Gente oportunista que não faz absolutamente nada pelas crianças da África e vem agora aproveitar-se da ocasião para aparecer e dar lição de moral nos outros. Só por curiosidade fui ver o histórico de postagens destas pessoas. Nunca postaram uma linha sequer sobre o sofrimento do mundo, sobre a fome, sobre as doenças... mas vem agora se sublimarem usando a coroa do humanitarismo. Vidas digitais dedicadas a apenas postar uma foto atrás da outra, comentar a vida alheia e repetir frases famosas que ocasionalmente lhes confiram uma suposta intelectualidade e vem agora criticar quem sente a perda de uma grande cantora. Quem realmente quer ajudar, faz. Ao invés de só falar, faz assim: http://migre.me/5mABN
Os outros, não sei se pior ou não, vem dizer que foi bem feito, que ela procurou, que já era esperado... Gente linda, bem resolvida, inteligente, que acha que a morte de uma pessoa que padeceu nas mãos do vício é insignificante. Não é. Qualquer vida humana perdida, é um dano para a humanidade, ainda mais a de alguém com talento, originalidade e tão pouca idade.
Amy, recusou-se a ir para a Rehab (clínica de reabilitação), mas a nossa sociedade precisa urgentemente ir para lá. Precisamos nos curar desta hipocrisia que nos consome a cada dia, dessa falta de compromisso com a verdade, do fundamentalismo, da religiosidade cega, sem compromisso com um mundo melhor. Precisamos nos curar do vício de apontar o dedo inquisitório para o outro, da ideia de superioridade, da mentalidade tacanha de que o inferno é sempre o outro. Precisamos ir para a Rehab sobretudo, para recarregar as nossas esperanças. Precisamos voltar a pensar na ideia proposta por Jean Paul Sartre:
"(...) A esperança sempre foi uma das forças mais dominantes das revoluções e das insurreições e eu ainda sinto a esperança como a minha concepção de futuro."
(Jean Paul Sartre, 1963. Prefácio de Os condenados da Terra, Frantz Fanon)
7 comentários:
Esplêndido!!!
Obrigado amigo! Muito obrigado!
Sempre que leio seus textos fico muito feliz. Estranho, porque eles não falam sobre comédia...rs
Ai é que está a ideia: Fico feliz em ver pessoas de mente aberta, esclarecidas, que não se atém somente àquilo que veem.
Muito bom o texto!
Obrigado Tai!!! Fico feliz em ser lido por você.
Cara, falou e disse!
Odair Cardoso
Gostei muito...
Está cada dia melhor em críticas e argumentações. Fico feliz que esteja em um desenvolvimento tão explícito.
A propósito, as críticas sociais me remetem a muitas ideias e todas elas são referentes às ações que temos diante de aspectos tão simples como ver tv, ler jornal ou qualquer informação invasora em nossas memórias..sempre tão bombardeadas por uma infinidade de ataques tendenciosos.
Gostei bastante.
Parabéns pela facilidade comparacional de temas tão distintos!
Abração
Fernanda Lisboa
Como sempre, perco a fala depois que leio seus textos. Muito bom!
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