Hoje, tive uma das piores sensações da minha vida, a sensação de que o futuro pode ser amargo. Geralmente sou muito otimista, mas tem momentos em que a realidade se joga na frente da gente de uma maneira tão enfática que não nos deixa alternativa senão parar tudo e analisar cautelosamente a vida.
Sentada do outro lado da mesa em que me encontrava, uma mãe em lágrimas reconhecia a sua incapacidade de colocar a vida escolar dos filhos no lugar. Reconhecia também a sua impotência frente a um mundo que está cada vez mais de cabeça para baixo, sendo engolido pela permissividade e pela irresponsabilidade dos adultos, sobretudo dos pais. O problema dela é que os filhos estão com notas baixas, são imaturos e só estão pensando em namorar. Até aí, o caso dela não tem nada de excepcional. Quem não sabe que esta é a realidade da maioria dos adolescentes? O que causa perplexidade nesta história não é o problema dos filhos, é quem seja a mãe.
A mãe citada é uma professora universitária da área de Educação, dotada de uma inteligência incrível, antenada com o mundo, sensível e muito responsável na criação dos seus filhos. Eu diria que ela é uma raridade. O fato de uma mulher desse quilate reconhecer-se impotente é nada mais, nada menos, do que aterrador. Se ela que é diretamente ligada à educação prevê um futuro nebuloso e sente-se incapaz de lidar com a realidade, o que será das pobres mortais mães sem estudo!? Se ela, que deveria ensinar como se educa, não tem respostas, imagine a situação de outros pais com os mesmos problemas, mas sem o arsenal intelectual adequado para resolvê-los. Reconhecer-se incapaz de resolver o problema não atesta, de forma alguma, incompetência ou fracasso de sua parte. Atesta sensibilidade e consciência de que o problema não pode ser resolvido por apenas uma pessoa.
Recentemente, li um texto espetacular de Eliane Brum, uma das colunistas da Revista Época. Ela faz uma análise da geração que vem surgindo e observa que é ao mesmo tempo a geração mais preparada e a mais despreparada. A mais preparada por ter mais recursos à mão do que todas as outras. Eles tem cultura, recursos, acesso a informações e tecnologia, no entanto, ao mesmo tempo são os mais despreparados para lidar com a vida fora do ninho. Estão sendo criados sem entender duas grandes premissas da arte de viver: a frustração e o esforço. Não sabem lidar com frustrações e acham que tudo na vida pode ser conseguido optando pelo menor esforço.
As consequências de uma geração crescer desta maneira serão desastrosas. O futuro dos meninos e meninas que frequentam o ensino fundamental hoje está fortemente ameaçado. Estamos criando, com o aval de muitos pedagogos e psicólogos, uma sociedade permissiva, alienada, erotizada, imatura, espetacularizada e vulgarizada. Explico: a nova pedagogia dá todas as chances de alunos despreparados passarem de ano. Eles não precisam desenvolver o senso de responsabilidade. Só não passa de ano hoje quem não quer, as facilidades estão todas lá: recuperação paralela, trabalhinhos, Conselho de classe e até mesmo aquilo que era obrigação, como copiar a atividade, tem que ser tratado como mérito. Se não valer ponto, simplesmente eles não fazem. Já se acostumaram com a maciota, o joguinho dos combinados e a interminável prorrogação de prazos. Aí vem a Psicologia com os seus novos "não pode". Não pode bater, não pode castigar, não pode isso, não pode aquilo. Eu sou eternamente grato por cada uma das palmadas que a minha mãe me deu, mas hoje se um pai der um puxão de orelha num filho, é perigoso ele ser denunciado e ir parar numa cadeia. Meu pai apenas olhava para mim e eu já sabia o que ele queria dizer. Levei, sim, algumas surrinhas, mas aprendi o que muitos de meus alunos não aprenderam: respeito aos mais velhos. Ontem, ouvi uma menina de 11 anos chamar a mãe de desgraçada.
A supracitada mãe educadora afirma que é amarrada o tempo inteiro pela permissividade das outras. Ela tenta educar seus filhos de uma forma mais rígida, acompanhá-los de perto, impor-lhes limites, mas é bombardeada o tempo todo porque seus filhos veem os colegas fazendo tudo que lhes dá na cabeça sem que os pais tomem providências sérias a respeito. Isso cria em suas mentes a ideia de que a sua mãe é repressora e ultrapassada. Inevitavelmente, um sentimento de revolta toma conta da cabeça desses meninos.
A nossa mãe educadora não acha normal (e eu também não) a filha de 13 anos viver toda maquiada como se fosse uma mulher adulta, não acha normal namoro entre pessoas de 11 e 12 anos de idade, nem a filha com esta idade ir sozinha às festas. O problema é que os outros pais acham. Batem no peito com orgulho e afirmam: "A minha filha (menina de 12 anos) namora na porta de casa". Onde está a grandiosidade disso? Tratar uma pessoa que deveria estar brincando e estudando como se fosse uma mulher adulta, não me parece muito inteligente. Carlos Alberto Parreira, em entrevista após a derrota da seleção masculina de futebol para o Paraguai, disse que atribuía o fracasso à falta de experiência de jogadores como Ganso, Neymar e Pato, que tem entre 19 e 23 anos. Sabiamente ele disse: "Eles ainda precisam de experiência e essa experiência só vem com o tempo. Em futebol não se pode pular nenhuma fase. Se fizer isso, algo vai dar errado lá na frente". Ora, com a vida funciona da mesma forma.
Vivemos numa era de 'abandono' dos filhos pelos pais. Não entrarei na questão se é proposital ou não, acho que não cabe aqui, mas uma coisa é certa: os pais estão cada vez mais relegando a outrem a educação dos seus filhos. Este outrem, quase sempre, é a escola. Estamos em vias de voltar a uma educação integral, onde o aluno entrará na escola pela manhã e sairá no fim do dia. Está errado! A escola não pode tomar para si a obrigação de dar conta de promover uma educação total neste país. Ela não pode assumir uma obrigação que é dos pais. A família continua sendo a célula mais importante da sociedade. A criança/adolescente precisa ter contato com a família, com o pai, a mãe, os irmãos. Outra coisa: a escola mal está dando conta de trabalhar os conteúdos para os alunos devido ao ritmo alucinante com que as informações vão e vem, imagine agora se ela, além disso tudo, ainda tiver que ensinar os meninos a amarrar sapato, falar corretamente, se portar à mesa, ou imprimir-lhes um bom caráter. Os pais não podem fugir da obrigação de educar os seus próprios filhos, mas estão fugindo. A criança tem propensão a aprender, a descobrir o mundo. Se ela não aprender com os pais, aprenderá com o mundo. Recentemente vi uma frase num cartaz que me deixou estupefato. Dizia assim: "Seja pai do seu filho antes que um traficante o adote". E a gente sabe que o risco é grande. Se os pais não ensinarem valores consistentes aos filhos, o mundo também não o fará. Tive acesso à track list do CD da Gaiola das popozudas, cujo título é "Começa a cachorrada". Pelo título, imagina-se o conteúdo. As músicas variam de péssimo para execrável gosto: "Agora virei puta", "Traz a bebida que pisca", "Minha buceta é o poder", "Quero te dar", "Sem calcinha", "Fiel é o caralho", "Tô com o c* pegando fogo", "Comece a me chupar", entre outras. Por detrás de uma desculpa de 'cultura de periferia', coisas pútridas são jogadas para ser consumidas por essas crianças/adolescentes.
À medida que os pais se furtam da missão de educar seus filhos no sentido de ensinar valores éticos, eles vão ficando à mercê das informações (ou desinformações) que encontrarem pela frente. E quando penso nisso, já me vem um gosto amargo na boca.
O que será do futuro deste mundo de crianças tão erotizadas? Sinto meu estômago embrulhar quando vejo menininhas tão novas com shortinhos minúsculos dançando músicas para lá de sensuais, extrapolando os limites da vulgaridade, como se fosse algo normal. Alguns adultos ainda aplaudem e dizem "Olha que gracinha". Da maneira que são expostas à vulgaridade, ficam também a mercê da futilidade. Percebo que a raça humana está num processo de esvaziamento. Estamos cada vez mais propensos a não valorizar coisas com conteúdo, a sermos cada vez mais vazios, ou cheios de informações inúteis. Não sei qual é o pior. Esta semana uma aluna de nono ano perguntou ao professor o que era o The Beatles e uma outra achou que Saramago fosse o nome de um deus. São somente dois exemplos. Eles desconhecem os grandes nomes da literatura, a boa música, os bons filmes e estão altamente interessados na vida de ex-BBBs, como se esses fossem produtores de algo relevante.
A alienação impera. Nossos adolescentes não tem visão crítica, acham tudo normal. Não questionam nada, apenas engolem. Consomem alegremente todo o lixo produzido por esta mídia de jornalismo marrom, descompromissado com a ética, com conteúdos relevantes e com a verdade, onde publica-se o que se 'Ouve' e não o que 'Houve'. A vida de sub-celebridades interessa muito mais do que Filosofia, Política ou Literatura. Aliás, coisas como a filosofia são demasiadamente enfadonhas e complicadas para eles. A razão disso? Simplesmente, preguiça de pensar. Por que pensar se existe o Google? Basta encaminhar-se ao Google ou ao Wikipédia quando surgir alguma dúvida.
Vivemos na era do conhecimento fast-food. Ninguém quer aprender nada de substancial e querem tudo na hora. Os poucos que querem, querem tudo rápido demais e algumas coisas exigem tempo e dedicação. O conhecimento não pode ser tratado com tanta leviandade. Ele deve ser construído, mas esta geração acostumada a receber tudo na mão não está disposta a fazê-lo. E não está nem aí. Falta vergonha. Observo que eles não tem vergonha de parecerem burros. Tem vergonha de não ter dinheiro, de não estar de acordo com a moda, de não ter o corpo da Valeska Popozuda, de não ter o Ipad de última geração, mas não tem vergonha de sua ignorância.
Resumindo, se os pais não tomarem para si novamente a responsabilidade de criar seus filhos, ensinar-lhes valores, impor-lhes limites e os estimularem na busca pela sabedoria e pela consciência crítica, num futuro bem próximo teremos problemas muito maiores do que a falta de água no planeta.
5 comentários:
Uma vez ouvir alguém dizer que a doença do século XXI é a depressão. Muita gente balança a cabeça concordando, mas parece que ninguém se dispõe a analisar o pq disso tudo. Vc sabiamente fez isso agora.
Tenho muito medo e pena de nossa humanidade tão vazia.
Brilhante o texto, uma análise real do nosso dia a dia... Preciso discordar do trecho "com aval da Pedagogia", perceba, nós pedagogos não concordamos com a mudança de série dos alunos despreprados, estas situações que cita em seu texto são definições das quais não podemos participar (são as instâncias estaduais e federais) por exemplo: o PNE está sendo revisto é necessário acompanhar, mas não podemos contribuir com as discussões, e há outras que as instituições educacionais tem autonomia (rec. paralela, avaliação somativa) para implementar ou não. Há, e os conselhos de classe são soberanos, e não só para aprovação (e aqui abre se espaço para consciência e formação do profissional).
Quanto a educação integral ainda há muito para se discutir... o que não podemos, enquanto educadores é assumir responsabilidades que não são nossas como observa SAVIANI,2005 “a escola é uma instituição cujo papel
consiste na socialização do saber sistematizado” (Texto: A natureza e a especificidade da educação).
Adorei seu texto....
Ró, adorei o seu comentário. Acho que o mais importante do blog nem é o texto em si, é a possibilidade de discussão. Quando falo do aval da pedagogia estou sendo bem genérico, mas eu entendi o que você pontuou e não poderia deixar de te dar razão. Obrigado pelo comentário, foi muito pertinente, como o são todas as suas falas. Que pena que não tive a sorte de ser aluno seu.
AHhhhhhhhhhhhhhhhh
Sinto-me lisongeada com seu comentário...
Coloquei seu blog em favoritos, lerei sempre!
Bjs
Realmente muito bom o texto.
Mais uma vez podemos perceber a importância da participação da família juntamente com a escola, na formação de jovens preparados para o mundo.
Espero que não seja tarde demais para que reconheçam a importância do professor na construção dos bons valores e intrumentalização dos jovens para pensarem e agirem criticamente, porque sem dúvida, conhecimento é poder.
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