Sentado frente ao Farol na praia da Barra em Salvador eu olhava o mar. A água estava incrível, espelhando o céu azul e se batendo contra as pedras. Bem longe, alguns barcos navegavam. Fiquei olhando cada um deles singrar e me veio à mente de forma bem espontânea um trecho do grande Fernando Pessoa: "Navegar é preciso".
Os últimos dias voltaram-me à memória. Era o terceiro dia em que eu estava em Salvador e comecei a me lembrar de tantas coisas que me aconteceram. De todas as minhas viagens (e não foram poucas) talvez esta tenha sido a mais cheia de aventuras. Conheci muita gente, passeei muito, conheci boates, dancei horrores, malhei em uma academia na Barra enquanto observava as pessoas correrem pela praia, fui a um restaurante árabe, fui a um restaurante italiano, comi uma feijoada divina na casa de uma amiga que mora em frente à praia de Itapuã, entre outras coisas. Foi uma passagem bem movimentada pela Baía de Todos os Santos.
Viajar sozinho tem as suas vantagens. A maior delas penso que seja a oportunidade do autoconhecimento que ela propicia. O fato é que na correria do dia-a-dia a gente pouco se escuta e pouco analisa mais friamente o que acontece. Na impossibilidade de conversar com outras pessoas, você conversa consigo mesmo, ou com Deus. Em vários momentos me peguei falando comigo mesmo: "Olha como o mar está agitado hoje". Ou com o Ser divino: "Meu Deus do Céu, olha aquilo ali"! Parece louco, mas é assim que funciona. Não ria de mim.
É incrível como o pensamento humano corre rápido. De uma coisa a gente passa a pensar em outra coisa, depois em outra, faz ligações telepáticas, ressuscita lembranças e sente saudades, sobretudo dos amigos, dos companheiros outras de viagens.
Fernando Pessoa estava certo, navegar é realmente preciso. Vou mais além: Navegar, voar, correr, andar, pilotar, dirigir, pedalar, patinar, caminhar... independente do verbo e do meio de transporte utilizado, o importante é não ficar parado. Existe uma frase de Stendhal que eu gosto demais. Ele diz que é preciso agitar a vida, caso contrário, ela nos roi. Que verdade poderosa! Fico pensando em quanta gente vive por aí sendo roída pela vida, soltando os pedaços como a madeira quando roída por cupins. Quanta gente vive por aí sendo corroída por mágoas, pela falta de movimento, pela falta de alegria, pelas dores e amores do dia-a-dia.
Tenho pena de gente que não navega. Tenho pena de gente que não se movimenta, que não vive, que apenas sobrevive ou vegeta. Tenho pena de gente também que não sabe apreciar, valorizar e amar a vida com todas as forças. Tenho pena de gente que acha que não é preciso trilhar novos caminhos. Sabe o que acontece quando a gente trilha sempre o mesmo caminho? A gente se acostuma com ele e deixa de ver o belo. Transformamos assim o belo em banal. Durante o percurso de uma hora que fiz de ônibus da Barra até Itapuã, reparei nas pessoas dentro do ônibus. Todo percurso era feito pela orla, ao lado do mar, e a maioria absoluta dos passageiros, acostumados com trajeto, sequer olhavam para a beleza estarrecedora do mar a lhes sorrir. Acostumaram-se. O mar perdeu o brilho. Se o mar, algo tão imenso, perde o brilho para tantas pessoas, imagine o que acontece com coisas menos portentosas.
Quando falo da necessidade de viajar, não estou me referindo a longas e chiquérrimas viagens feitas a Paris ou Veneza. Penso que o local é o de menos, o importante é o movimento, mesmo que seja para o mesmo local. Vou sempre a Salvador, fico sempre no mesmo hotel, mas cada viagem é diferente. A gente pode fazer muitas viagens dentro da nossa própria cidade, dentro do nosso próprio espaço, dentro da nossa própria vida. O importante é movimentar-se.
Conheço gente que passa a vida inteira ouvindo o mesmo tipo de música, vivendo com os mesmos móveis, as mesmas roupas, indo aos mesmos lugares, comendo as mesmas coisas... Não quero isso para mim. Tenho uma fome de vida que não me permite isso.
Tenho feito da minha vida uma grande viagem, baseando-me nas palavras do compositor Rômulo Paes, inscritas num monumento localizado na Rua da Bahia em Belo Horizonte: "A minha vida é esta, subir Bahia e descer floresta". Quero sim, no final da minha vida, olhar para trás, analisar tantas coisas que acumulei em variados movimentos e pensar: "Foi muito bom!" Desejo o mesmo para você.
2 comentários:
Ahhh, que fantástico esse texto! Engraçado que lendo-o fui me lembrando também das minhas viagens (físicas e emocionais) e, principalmente da última viagem física, minha ida a Barreiras nesse fim de semana. Nossa, tanta coisa mudou de lá pra cá, tanta coisa maravilhosa aconteceu em apenas um único fim de semana que modificou minha vida, e tão rápido... Aiiiiii, como é bom viajar!! Amei o texto!!! Perfeito!
Como tem gente que desconhece esses prazeres tão maravilhosos que só as viagens nos trazem. A gente sempre vai com uma cabeça e volta com outra. Sempre.
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