A palavra de ordem nas redes sociais esta semana, sobretudo no twitter, foi ORGULHO. Tudo começou por causa da Marcha para Jesus, realizada no dia 23 de Junho na cidade de São Paulo. O movimento foi muito mais para os gays e para os políticos do que para Jesus. Aliás, se teve alguém que eu senti falta nessa manifestação, esse alguém foi Jesus.
A Marcha para Jesus 2011 foi um evento essencialmente político. Teve cara de "vamos mostrar nossa força". Do alto da sua arrogância, o virulento e retrógrado pastor Silas Malafaia, vociferava, utilizando palavreado bastante vulgar para um pastor, contra as ações anti-homofobia e contra o Supremo Tribunal Federal ao mesmo tempo em que distribuía ameaças de "aconselhar" suas ovelhas a não votarem mais em certos políticos. Os cristãos aplaudiam e exibiam o seu orgulho de gente fiel, salva e temente à palavra de Deus. Exibiam orgulhosamente as suas bíblias.
A resposta foi imediata. Os homossexuais reagiram proclamando o seu orgulho de serem gays em tudo quanto é meio de comunicação. Depois disso, os heterossexuais resolveram contra-atacar proclamando seu orgulho hétero. A partir daí todo mundo resolveu se orgulhar: orgulho ser negro, orgulho de ser nordestino, orgulho nerd, orgulho de ser mulher, de ser fã do Luan Santana, do Pelanza, e a mais nova hashtag que está bombando nos Trending Topics ou TTs do twitter (até o momento) é #OrgulhoRafah.
Parei para pensar. Quanto orgulho! E eu? Eu não me orgulho de nada?
Sim! Eu me orgulho sim, e de um monte de coisas:
Enquanto muitos alardeiam o seu orgulho de ser homossexual ou heterossexual, eu me orgulho de fazer sexo bem feito, com carinho e qualidade. Me orgulho de me preocupar em dar prazer para quem está ao meu lado ao invés preocupar-me apenas com o meu próprio gozo. Quantas amigas eu tenho com companheiros tão machões, mas que vão ao motel e eles preocupam-se mais com seu próprio corpo e com sua performance frente aos espelhos do que com elas mesmas. Além disso, eu me orgulho de não preocupar com o que as pessoas fazem com seus órgãos genitais e com quem fazem. E mais: me orgulho muito de não julgar as pessoas pelas sua preferências sexuais.
Sinceramente, eu me orgulho de ser gente. Eu me orgulho de entender que nasci um homem, mas não um ser humano. Sendo assim, me orgulho de compreender que não nascemos, mas nos tornamos humanos. Compreendo que o ser humano é uma construção. Estou fazendo-me humano a cada dia, a cada leitura, a cada música, a cada gesto. Essa mentalidade é essencial para uma leitura correta da vida, para a compreensão de minha pequenez, da minha efemeridade, da minha incapacidade de intervenção nos destinos das outras pessoas, mas, principalmente, da minha condição de provisoriedade. Tudo que eu sou é provisório, passageiro. Ontem eu era, hoje eu não sou mais. E como é bom poder mudar de ideia! Mês passado eu desprezava a cantora Adele, hoje eu a escuto compulsivamente. Concordo em gênero, número e grau com as palavras de Murilo Mendes ao afirmar que "Ainda não estamos habituados com o mundo. Nascer é muito comprido". É processo, dura a vida toda toda. Estar vivo é nascer e renascer todos os dias.
Eu me orgulho de ser mistura. Nascido de um mulato com uma branca vinda de uma família na qual uma boa parte das pessoas é loura, eu me apresento com a cor pele clara, daquelas que tenta se bronzear mas no máximo fica vermelha como camarão, com um cabelo bem escuro e pouco liso, lábios grossos e uma barba que, devido à mistura, quando começa a crescer apresenta fios ruivos, negros e louros. Que orgulho ver a pluralidade de meus genes!
Também me orgulho de compreender que eu sou um mundo dentro de outro mundo que compreende vários outros mundos e compreender que a minha medida não serve para o outro. Me orgulho de compreender que sou dono da minha consciência e que, no máximo, eu posso tentar ajudar o outro a progredir. Dogmatizar, obrigar, forçar, doutrinar... jamais! Aprendi que cada um tem o direito inalienável de gerir a sua própria vida, de estragá-la e até mesmo dar cabo dela caso ache conveniente. Me orgulho de saber respeitar os gostos, as decisões e mesmo os pensamentos alheios, por mais imbecis que possam ser.
Eu me orgulho de não conseguir mais viver na superficialidade das coisas. Me orgulho de ler bons livros e compreender a riqueza e a necessidade deles. Eu me orgulho de ler obras de Friedrich Nietzsche, José Saramago ou Hannah Arendt e compreendê-las enquanto a maior parte da população brasileira mal sabe ler, quanto mais interpretar. Eu me orgulho até mesmo de, como todo ser humano normal, não entender "O capital", obra máxima de Karl Marx. Me orgulho de ouvir músicas de qualidade, de me vestir bem e de me preocupar em sempre buscar a perfeição. Me orgulho da minha profissão, de saber que estou fazendo algo para que este país se desenvolva, ou pelo menos tentando.
Eu me orgulho de saber respeitar e me relacionar bem com as pessoas. Eu me orgulho de tratar com respeito desde as minhas colegas de trabalho que cuidam da limpeza até a minha patroa. Me orgulho de não fazer diferenciações, de não diminuir alguém por causa da sua cor, da sua sexualidade, do seu status social, das suas vestimentas, dos seus credos ou de qualquer outra particularidade.
Eu me orgulho da minha maturidade e da minha liberdade. Eu me orgulho de ser eu mesmo e ter maturidade (eu acho) para me permitir muitas coisas. Eu me orgulho de me permitir errar, de me permitir escolher os meus caminhos e a minha direção. Eu me orgulho também de retroceder, afinal de contas, é melhor voltar do que perder-se no caminho. Eu me orgulho de desacreditar enquanto todos acreditam, de dizer não quando todos concordam, de sonhar mesmo enquanto tomo choques com a realidade, de ser luz, mas também escuridão. Eu me orgulho de me apaixonar, ou de deixar de fazê-lo. Também me orgulho de saber enxergar o tempo da desistência e de não gostar de esmurrar facas. Eu me orgulho de vociferar, de bradar e gritar aos quatro ventos todas as minhas indignações, minhas vontades e tudo aquilo que eu considero justo.
Sobretudo, eu me orgulho de ter amigos. Amigos de verdade. Gente que me empresta diariamente seus ouvidos, suas palavras, sua paciência, suas histórias, seus toques afetuosos, seus problemas. Da mesma maneira, ocasionalmente emprestam-me também os seus ombros. Alguns, quando necessário, me carregam neles. Outros ainda, devido à distância física, me emprestam seu carinho, sua saudade, seus pensamentos positivos, seu amor e sua vontade de um reencontro. Outros tantos já me emprestaram seus peitos colocando-se em minha frente e levando pedradas que eram a mim direcionadas. Quantos apanharam na cara no meu lugar...
Preciso de motivos maiores que esses para eu me orgulhar? Se sou branco, preto, azul, rosa, gay, hétero, nordestino, flamenguista, vascaíno, religioso, ateu, velho, tolo... não faz mínima diferença. O que importa é que eu sou feliz.
4 comentários:
Texto lindíssimo, prof. Me orgulho demais de ser seu aluno.
Me ogulho demais em ser sua patroa... rsrs
Ótimo texto, me orgulho disso e de você também. Criticidade e bom gosto sempre, amigo.
Eu me orgulho de pessoas tão queridas e inteligentes como vocês se orgulharem de mim.
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