Quanto pagaremos no futuro pela irresponsabilidade de hoje?
"A educação torna um povo fácil de guiar, mas difícil de dirigir, fácil de governar, mas impossível de escravizar." (Henry P. Brougham)
"O tempora! O mores!" (Oh! tempos! Oh! costumes!), exclamava Cícero, pai dos oradores em todo mundo, um século antes de Cristo. Suspeito que se nosso velho Cícero vivesse na atualidade, não estaria nada contente com a humanidade. Resolvi escrever este post após ler, ouvir e pensar muito. Entre outras coisas, essa semana espalhou-se pela internet o vídeo em que uma professora do Rio Grande do Norte confrontou o poder público com a realidade vivenciada pelos professores em seu estado. Antes que você pense que esse texto é para falar da situação precária em que se encontra o professor no Brasil, eu já lhe adianto que não é. Não estou aqui para chorar as mazelas dos professores, estou aqui para lamentar pelas mazelas da humanidade e sugerir algumas provocações.
Certa feita, um professor foi contratado por uma escola particular e como o número de reprovações foi maior que o esperado, a diretora do colégio, que também era mãe de dois alunos, lhe pediu que não levasse as coisas tão "ferrenhamente", que fosse mais maleável e facilitasse para os alunos. Facilitar para ela não era dar nota de graça para eles, era fazer provas menores e mais fáceis. Em outras palavras, ela sugeriu a ele que baixasse a qualidade, que baixasse o nível, pois, segundo ela, as suas provas eram muito difíceis. Na ocasião, atônito com tal sugestão, ele lhe disse que poderia até fazer o que ela queria, mas que ela pensasse bem no preço que haveria de ser pago por isso. Dois anos mais tarde os seus filhos saíram de sua escola e foram fazer o ensino médio em um grande colégio público da cidade. Não deu outra: Ambos foram reprovados no primeiro ano. Um deles perdeu em praticamente todas as disciplinas, só escapou em Artes e Educação Física. Passaram de ano na escola da mamãe, mas aprenderam? Não! Hoje a escola não tem prestígio. Nunca se ouviu falar que algum aluno de lá tenha feito alguma coisa grandiosa como ficar em primeiro lugar em algum vestibular, passar em um grande concurso ou algo que elevasse o nome de sua escola na cidade. Não poderia ser diferente! Os alunos de lá sabem apenas o suficiente para passar, não tem bagagem para fazer nada de extraordinário. Esse professor alega que nunca fez o que ela pediu por considerar irresponsabilidade aprovar aluno sem conhecimento, contudo, isso nunca foi entrave para a escola, pois o governo criou um mecanismo de aprovação em série: o Conselho de Classe. O conselho é aquele momento mágico da educação onde o aluno é miraculosamente aprovado depois de ter sido submetido a vários critérios. É o momento em que transforma-se em mérito o que na verdade é obrigação (aprova-se o discente porque ele fez as pesquisas, porque comportou-se na aula, fez os deveres de casa, etc.). Eu mesmo já participei de um Conselho de Classe numa escola estadual onde uma aluna foi aprovada e o motivo foi: "ela é tão boazinha". Ora, façam-me o favor! No fim das contas o que acontece é que o aluno passa sem saber, a escola fica desmoralizada e os bons professores levam a fama de carrascos.
O engraçado é que as pessoas se ofendem se você disser que elas estão facilitando. Se você perguntar de forma clara e honesta "Você quer que eu abaixe o nível?" a resposta será "Não, claro que não! Aqui nós primamos pela qualidade. Queremos apenas que seja mais maleável e mais compreensivo". Sei, tá bom... Esse é apenas um exemplo do que tem sido feito com a educação no Brasil. Estamos baixando o nível, facilitando, empurrando para frente. A pergunta é: Qual o preço a ser pago por isso?
Além de facilitar, ainda eximimos os alunos de toda ou quase toda a culpa. Se ele não se deu bem na unidade, a culpa é do professor, dos pais ou da escola. Mentira! A culpa é SEMPRE do professor. Às vezes não se sabe nem qual foi o erro, mas a culpa com certeza foi do professor. Na maioria das escolas, a culpa nunca recai sobre o aluno que não estuda, fica sempre nas costas do professor que é rígido demais, que faz prova difícil, que não prepara boa aula e que não passa um trabalhinho para ajudar na nota. Já fui professor de dois irmãos gêmeos que chamarei aqui pelos nomes fictícios de Eduardo e Edilson. Eles estudavam na mesma sala, assistiam à mesma aula, faziam as mesmas atividades... A diferença é que Eduardo tirava sempre notas altíssimas enquanto Edilson, mais tagarela e menos esforçado, tirava sempre notas baixas. Em todas as reuniões de pais e mestres a mãe jogava a culpa do insucesso de Edilson em mim, mas nunca elogiou o sucesso de Eduardo. Funcionava assim: Se Eduardo tirava boas notas, o mérito era dele que estudava muito, se Edilson tirava más notas o mérito era meu, que não sabia dar aula. Ora, creio que se a culpa fosse minha, os dois deveriam estar na pior. No Japão os pais são proibidos de levarem seus filhos para a escola. As crianças mais novas vão com as mais velhas para aprenderem a ser responsáveis. Aqui os alunos não assumem a responsabilidade nem de estudar. E não venham me dizer que é porque são crianças! Eu fui criança e sempre tive responsabilidade com o estudo.
Vemos corriqueiramente por aí coordenadores de escolas, secretários de educação e pedagogos darem lindos depoimentos: ”Este ano o índice de reprovação baixou muito em relação ao ano passado”. Parabéns! Muito bom! Será, contudo, que os alunos fazem jus a essa aprovação? Se não fazem, vale tanto a pena aprová-los? A longo prazo, que consequências uma aprovação inconsistente apresentará? Pensa-se em dar uma chance ao aluno, em apostar que ele vai melhorar, mas o que acontece na maioria dos casos é que ele não muda (pela própria carência de conhecimentos prévios) e o problema só é empurrado para frente. No ano seguinte o aluno estará novamente na mesma situação.
Não estou aqui defendendo a reprovação, mas acho que se o aluno não sabe, ele deve ser reprovado para ter novamente a chance de adquirir o conhecimento. Alguns acham que é maldade reprovar um aluno, eu acho que maldade é negar-lhe um direito básico, que é o de alcançar um bom nível de instrução (mesmo que ele não faça questão disso). Ora, convenhamos, repetir um ano não mata ninguém. Quero aqui manifestar o meu descontentamento com a maneira inconsequente e imediatista com a qual a educação tem sido tratada na maioria das escolas deste país. Estou aqui para manifestar a minha tristeza absoluta em ver em muitas vezes, escolas e universidades de renome, com um trabalho sério e anos de tradição, se renderem passo a passo a esta pedagogia porca e descabida que o governo brasileiro impõe. Mesmo as instituições particulares precisam se adequar às novas leis impostas pelo governo. Exemplo: às vezes a direção da escola é até contra procedimentos como o Conselho de Classe, mas ela é obrigada a fazê-lo porque está na lei, é um direito adquirido do aluno.
Sinceramente, eu acho que esse pessoal se esquece de que amanhã eles poderão estar numa mesa de cirurgia nas mãos de um médico formado de qualquer jeito. Há um tempo, uma das minhas cachorras machucou a boca num domingo e o único veterinário disponível na cidade era um ex-colega meu (que eu nunca consegui entender como havia conseguido se formar haja vista que não assistia aulas e sempre teve péssimas notas). Ele sedou a minha cachorra e ela dormiu por quase 10 horas. O infeliz aplicou nela uma quantidade de anestesia suficiente para fazer uma vaca capotar. Quase perco meu animal. Esse é apenas um caso. Quantos médicos existem por aí que provavelmente são incapazes de ler um texto consistente sobre ética ou mesmo sobre coisas mais relacionadas aos aspectos práticos da sua profissão? É sofrível o nível intelectual que os jovens estão chegando às universidades (quando chegam). Recentemente, inclusive, propus no twitter criar um Curso de Português especialmente direcionado aos universitários. As coisas inacreditáveis que eles escrevem nessas redes sociais por aí são assustadoras.
No Brasil, 75% das pessoas entre 15 e 64 anos não consegue ler, escrever e calcular plenamente, mas são considerados como alfabetizados. Às portas do século XXI, em plena Era do Conhecimento, quase três quartos da população brasileira é funcionalmente analfabeta. Isso é vergonhoso.
De que maneira queremos transformar este país numa nação forte? Deste jeito? Com este nível? Estamos formando um país de analfabetos funcionais. Como afirmou uma amiga minha (com total propriedade) estamos nos conduzindo rumo ao analfabetismo consentido, apoiado e incentivado. O governo não quer saber se o povo realmente adquiriu o conhecimento, aliás, povo bem instruído é muito perigoso para o governo. Gente ignorante é muito mais suscetível à manipulação. O que o governo quer é fazer com que os números do analfabetismo caiam, mesmo que não seja uma realidade efetiva. Não fica bem na lista da educação mundial o Brasil aparecer com índices altos de analfabetismo, não é?
O MEC inovou recentemente, achou uma possível solução para nossa incapacidade de alfabetizar os brasileiros: apontar o errado como certo. Os alunos podem continuar a falar e a escrever "os livro", "nós vai" etc. Segundo MEC esse é um procedimento visando diminuir a exclusão. Em minha opinião, ele exclui muito mais que inclui, mas falarei sobre isso numa outra oportunidade.
Fico feliz em saber que tudo isso apontado aqui não é uma regra. Existem muitas escolas e muitos pedagogos fazendo trabalhos sérios por aí, mas, infelizmente, estes têm sido cada vez mais a minoria.
Sobre o preço, ele já está sendo pago:
Estamos vivendo numa nação de analfabetos funcionais, apolítica, que elege um palhaço para um cargo de deputado federal, que reelege políticos corruptos como Paulo Maluf e Fernando Collor, que não se manifesta de forma dura contra a corrupção e até a trata como algo normal, que não tem o hábito da leitura, que não valoriza a arte, que não produz boa música, que desconhece os princípios da ética, que chama de heróis gente desocupada confinada numa casa de reality Show enquanto trata seus verdadeiros heróis (gente que sobrevive com um salário mínimo) com descaso, que conhece qualquer BBB ou sub-celebridade, mas desconhece monstros da literatura mundial como José Saramago, que não lê bons autores como Clarice Lispector por considerá-la hermética, que tem preguiça de pensar e por aí vai...
Mas, pensando bem, para que sermos vistos como inteligentes, não é? Já somos o país do carnaval e do futebol. Precisa mais?
Para terminar, gostaria de incorporar ao meu texto um comentário que foi postado anonimante, e que eu achei de uma propriedade incrível:
“Conhecimento é poder! Alguns anos à frente, a inteligência e a capacidade de inventar, desenvolver e melhorar será importada de outros países, porque aqui dentro só haverá capacidade para copiar e repetir o que vem sendo feito há décadas. Tenho pensado nisso há um tempo, vejo que as pesquisas e bolsas para estudo em todas as áreas estão caminhando para a extinção. Não se vê idéias novas, mudanças de rumo e de pensamento...”
1 comentários:
Se cada um fizesse pelo menos um pouco a sua parte ajudaria bastante. Tenho tentado fazer a minha: se o cliente só sabe assinar o nome na procuração, coloco que é analfabeto e peço para providenciar uma procuração pública. Assinar nome não é ser alfabetizado!
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