Abriu os olhos. Rolou mais uma vez pela cama. Naquela manhã tão especial, a alma havia sido aberta junto com seus olhos. Quantas decepções seriam necessárias para se criar uma desilusão? Quantas mentiras são necessárias para o esvaziamento de um coração? Quanta dor e quanto descaso são necessários para provocar uma libertação? Quanta desumanidade é necessária para fazer secar o afeto de alguém?
Fechou os olhos. Rolou mais uma vez na cama. Naquele momento, com os olhos cerrados, viu seus últimos dias desfilarem diante de si. Buscou explicações, cavou enlouquecidamente atrás de argumentos, tentou cravar suas unhas nos galhos mais fortes da árvore da compreensão, mas já era tarde demais: já havia caído. Havia caído e se arrebentado no chão de si mesma. Caiu em si. Pensou no amor. Tentou se encaixar num mundo que não era mais aquele que havia escolhido para si.
Rememorou. Reverberou. Descobriu que sem querer e sem perceber foi deixando de ser. Não era mais a pessoa de alguns meses atrás. Descobriu também que a pessoa com quem pensava dividir a cama e a vida já havia partido. Ou será que tinha realmente chegado algum dia? Engoliu secamente uma saliva que era tão escassa quanto aquela eternidade que sonhara para si. Pensou mais uma vez no amor. Pediu respostas e elas não vieram. Não haviam mais medidas paliativas a serem tomadas. Naquele dia, após dois ou três dias de um abandono presente, viu o quanto estava só.
Reabriu os olhos. Alguma decisão precisava ser tomada. Não havia mais a menor chance de permanecer naquela teia. Pensou no outro e pensou em si. Procurou culpados. Procurou inocentes. Não os achou. O que viu com os olhos da alma, que se arregalavam naquele momento, foram dois seres dentro de um turbilhão. Em meio a tentativas de sobrevivência, apunhalavam-se.
Levantou-se.Olhou-se no espelho e ele, com implacável sinceridade, mostrou-lhe que a dor e o amor são tão próximas que às vezes se misturam. Pensou no outro. Viu que era alguém que não se importava. Nem a sua dor, nem a sua doença, nem a sua alegria lhe interessavam. Pensou nas palavras de Renato Russo: tem gente que não sabe amar. Haveria como culpá-lo? Naquele momento sua memória havia se transformado em cinzas. Lembranças de uma noite de amor num hotel, de um passeio pela praia, de um encontro no meio de uma festa de universidade, de sussurros num quarto... simplesmente haviam se tornado pó. Não estava mais disposta a ver a sua força e a sua determinação serem confundidos com falta de sentimentos. Cansou de ser tratada como pedra.
Percebeu que, ao invés de estar num leito de amores, estava num ringue e, se não encontrava em si mesma a capacidade de dar um ponto final àquela situação, daria ao outro os motivos para fazê-lo. Mentiu. Ridicularizou. Zombou. Naquele momento, amaldiçoou a sua família até a terceira geração não poupando nem o cachorro, nem a casa, nem o papagaio. Rugiu coisas que certamente lhe doeram mais dizer do que ao outro ouvir. Era necessário. Não poderia mais viver naquela situação. Se o preço para ser amada era livrar-se daquele a quem amava, ela estava disposta a pagá-lo. Não podia mais conceber a ideia de viver num relacionamento onde mais se cortavam do que se afagavam. Estavam sendo tristes acompanhados e ser triste acompanhado é mais doído do que ser triste sozinho.
Saiu do canto da vida. Decidiu novamente caminhar, dobrar esquinas, se enveredar por becos tortuosos. Decidiu que preferia a sensação de caminhar sozinha do que a de estar abandonada quando mais se precisava. Sua companhia agora seria o tempo e a liberdade o seu refúgio. Esperaria por outros dias, outros tempos, outros motivos, outros amores e, quem sabe, pelo seu amor de volta.
Sendo assim, foi. Na mochila, a vontade de viver. Nos bolsos, motivos para ser feliz. No coração, esperança. Na mente, a certeza de que ser feliz é uma obrigação.
domingo, 22 de abril de 2012
Amanhecer
Postado por
Roney Torres
às
21:31
0
comentários
Enviar por e-mail
Postar no blog!
Compartilhar no X
Compartilhar no Facebook