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quinta-feira, 1 de março de 2012

O Estado babysitter


Ando meio revoltado com as práticas jurídicas utilizadas neste país. Corrigindo: meio, não! Ando muito revoltado com o que tem sido praticado no Brasil no que diz respeito à elaboração, manutenção e cumprimento das leis. Tenho me sentido alarmado ao ver como o Estado anda se portando atualmente. A notícia do expurgamento do dicionário Houaiss foi a gota d'água. Vejamos a notícia:

O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação na Justiça Federal em Uberlândia (MG) para tirar de circulação o dicionário Houaiss, um dos mais conceituados do mercado. Segundo o MPF, a publicação contém expressões "pejorativas e preconceituosas", pratica racismo aos ciganos e não atendeu recomendações de alterar o texto, como fizeram outras duas editoras com seus dicionários.

"Ao se ler em um dicionário, por sinal extremamente bem conceituado, que a nomenclatura cigano significa aquele que trapaceia, velhaco, entre outras coisas do gênero, ainda que se deixe expresso que é uma linguagem pejorativa, ou que se trata de acepções carregadas de preconceito ou xenofobia, fica claro o caráter discriminatório assumido pela publicação", afirmou. "Trata-se de um dicionário. Ninguém duvida da veracidade do que ali encontra. Sequer questiona. Aquele sentido, extremamente pejorativo, será internalizado, levando à formação de uma postura interna pré-concebida em relação a uma etnia que deveria, por força de lei, ser respeitada", acrescentou o procurador.   Fonte: [http://migre.me/85DTR]

Cabe ao Ministério Público Federal (MPF): defender os direitos sociais e individuais (direito à vida, dignidade, liberdade, etc.) dos cidadãos, atuar sempre que uma questão envolver interesse público, fiscalizar o cumprimento das leis editadas no país e daquelas decorrentes de tratados internacionais assinados pelo Brasil, atuar como guardião da democracia, assegurando o respeito aos princípios e normas que garantem a participação popular. Não vejo, dentro destas atribuições supracitadas, nada que endosse uma atitude como a tomada em relação ao Houaiss. Penso que a decisão tomada pelo MPF deva ser considerada como censura, o que é intolerável. Quanto ao pronunciamento do procurador, devo chamar a atenção para o fato de que uma etnia deve ser respeitada por ser humana, não por força de lei alguma.

Minha mãe conta que quando era criança (e isso já tem mais ou menos meio século), seus pais a advertiam a tomar cuidado com os ciganos. Ela vivia na zona rural e diz que quando se sabia da notícia da chegada de um grupo de ciganos, toda a comunidade se punha em alerta. Desde aquela época já havia a fama de que os ciganos costumavam furtar. Ela se lembra bem de que 'coincidentemente' com a chegada dos ciganos ocorria o sumiço de ovos, galinhas e animais de pequeno porte em todas as fazendas da região. De igual modo, os feirantes também os temiam. Sempre que ciganos entravam nas feiras, mercadorias sumiam. Essa fama deles serem ladrões, espertalhões e coisas do gênero é muito antiga, sendo ela historicamente construída.

Não estou inteirado acerca das práticas socioculturais dos ciganos na atualidade, mas penso que a imagem que se faz deles, foi criada por eles mesmos e não é um dicionário que vai melhorá-la ou piorá-la. O uso que o povo faz da língua não é da competência do dicionarista. A fama de trapaceiros dos ciganos antecede ao Houaiss. Portanto, condenar um dicionário por dizer aquilo que todo mundo diz, é algo imbecil. Mais imbecil ainda é alguém acreditar que um dicionário seja ou possa ser politicamente correto. Mais ainda: se formos condenar o Houaiss iremos também ter que condenar um carteiro quando ele levar uma carta de conteúdo racista. Para mim, assim como para Túlio Vianna, escritor da área do Direito Penal, daria praticamente no mesmo. O Ministério Público quer nos livrar do preconceito praticando censura e atacando sintomas ao invés das causas. Que fique claro que eu repudio totalmente qualquer forma de preconceito contra quem quer que seja. Apenas acho que a alegação do MPF não cabe, mesmo porque o próprio dicionário avisa que se trata de expressões de ordem pejorativa.

No mesmo patamar de proteção criada pelo Estado foi sancionada uma lei que obriga todas as redes de fast food do Estado de São Paulo a divulgar aos consumidores as tabelas de informações nutricionais e de calorias dos alimentos servidos nos estabelecimentos. Que Estado MARAVILHOSO nós temos, hein? Não deu em vocês também um super orgulho de serem brasileiros? Vejam que fantástico: temos um governo que zela pela nossa saúde, pela nossa educação e que nos recomenda até onde devemos fazer xixi. Penso que a República Federativa de Brasil poderia ser chamada de República Babysitter do Brasil. Não temos um Estado, temos uma babysitter, uma babá.

É pertinente a pergunta: Estamos sendo vistos como bebês ou como retardados?

Que Estado é esse que nos quer "proteger" de tantos males tão inócuos? Sei ler, escrever e interpretar o que está escrito. Não preciso de um Estado que me queira "proteger" até do dicionário e das calorias dos alimentos. Não preciso de uma babá. Sobretudo, não preciso de tamanha hipocrisia. Não preciso de um Estado que finge estar preocupado comigo ou com quem quer que seja. Quem acha que estou exagerando, olhe para a situação da educação e da saúde neste país. A maioria absoluta das pessoas que realmente precisaria destes tipos de ações não tem escola para estudar, não foi ensinada a ler corretamente, não tem a cultura (no sentido de costume) de procurar o significado de verbetes no dicionário e não tem R$ 15,00 para bancar um sanduíche em fast foods. Aliás, o povo que anda passando fome não está preocupado em engordar, pelo contrário, está é precisando ganhar uns quilinhos mesmo.

Vivemos num país de gente sem educação, que não sabe sequer se portar dentro de um cinema ou de um teatro, que não respeita leis de trânsito, códigos de ética, que não tem a leitura como costume diário e o governo está preocupado com UM verbete de um dicionário muito bem conceituado. Segue mais um exemplo: a campanha empreendida na TV para que as pessoas não urinem em vias públicas. Pelo amor de Deus! Que país é esse onde é necessário solicitar em rede nacional que a população não urine na rua?

Se a maioria da população necessita desse tipo de intervenção é porque o Estado não cumpriu corretamente a lição de casa e agora fica querendo fazer remendos. Ele deve, ao invés de querer servir de muletas ou de babá para um povo que não sabe andar com as próprias pernas, dar a esse povo condições de ter autonomia para pensar e tomar as suas próprias decisões. Chega de ser um país que é órfão de cultura, pai da ignorância e herdeiro da alienação.

No mais, caríssimo Ministério Público Federal, temos injustiças sociais para sanar, crimes hediondos para punir, corruptos para prender, hospitais para construir, crianças para zelar, mendigos para tirar das ruas e alimentar e um povo que precisa aprender a ler o mundo, interpretá-lo e fazer as suas próprias escolhas.
Postado por Roney Torres às 11:34 Enviar por e-mail Postar no blog! Compartilhar no X Compartilhar no Facebook

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Baiano. Professor. Capricorniano. 34 anos. Dependente de música, livros e internet. Apaixonado por gente inteligente.
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