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terça-feira, 28 de junho de 2011

De volta à Idade Média

Caros leitores, sejam bem-vindos à Idade Média. Sejam bem-vindos a um tempo onde o Estado onde não é laico, onde religião e política são interdependentes, onde família é apenas a união de um homem com uma mulher e o sexo existe apenas com a finalidade de procriação. Sejam bem-vindos a um tempo em que os princípios cristãos são obrigatórios para todo mundo. Sejam bem-vindos! Os tempos são de obscurantismo, de dogmatismo religioso e da formação de uma teocracia baseada em preconceitos e ideias errôneas. Nossos guias por este passeio ao medievo serão o pastor Silas Malafaia, o deputado Jair Bolsonaro, a deputada e ex-atriz Myrian Rios e o juiz Jeronymo Villas Boas.

Estou pensando, talvez o premiado dramaturgo baiano Gil Vicente Tavares esteja correto em chamar este nosso período de Idade Merde-a:

“O Brasil vive numa Idade Merde-a. O avanço do país ainda está na mão dos reacionários e caretas, dos teleguiados pela imprensa e os exaltados em discursos rasos. Esses são sintomas de um povo atrasado, sem cultura e educação, coisas que demoraremos ainda um bom tempo pra resolver. (...) A legalização do aborto, o casamento homossexual e a descriminalização das drogas são pautas fundamentais para o avanço do país. E as duas primeiras vão além de seu valor prático, têm uma força simbólica que ultrapassa questões de saúde pública e direitos de família. (...)

Brincadeiras à parte, vamos falar de coisa séria. Não tratarei neste texto do Deputado Bolsonaro e o pastor Malafaia porque já expus aqui no blog o que penso sobre eles. Tratarei da neste post apenas da deputada e do juiz.

Dois acontecimentos marcaram a sociedade brasileira nos últimos dias e geraram bastante polêmica:

1 - O juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, determinou a anulação do primeiro contrato de união estável entre homossexuais firmado em Goiás, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer a união entre casais do mesmo sexo como entidade familiar. Reportagem completa aqui: http://migre.me/586cv

2 - A deputada Myrian Rios fez um discurso contra a PEC 23 que choca e envergonha pelo nível de imbecilidade, de preconceito, de desinformação e de hipocrisia.


Myrian Rios e Jeronymo Villas Boas têm muito mais em comum do que um Y muito estranho a enfeiar-lhes os nomes. Ao ser procurado pela equipe do Fantástico por ter anulado o casamento gay em Goiás, o juiz que também é pastor evangélico da Igreja Assembleia de Deus, alegou que não seguiu uma ordem do STF porque entende que família é a união de um homem e uma mulher. Esse pensamento por si só já é muito retrógrado, mas pode piorar. Baseado em seus princípios religiosos pautados pela Bíblia, o juiz afirmou ainda que a função do sexo é a procriação, garantindo a sobrevivência da espécie humana.

Analisando superficialmente, podemos perceber que ele já começou errado. Uma vez que o apóstolo Paulo disse que toda autoridade é instituída por Deus e que deve ser obedecida, o pastor pecou por desobedecer uma autoridade constituída. O Supremo Tribunal Federal tem muito mais autoridade que ele. Ordens do STF deveriam ser obedecidas. Em segundo lugar, ao analisar que família é apenas a união de um homem com uma mulher, ele retira de todos os casais formados por pessoas do mesmo sexo o direito de serem considerados também como famílias. Para ele, a função da família é procriar. Olha que legal: um lar formado por uma mãe solteira e seus filhos não é uma família, um lar onde um dos cônjuges é estéril não é família, um lar formado por idosos não é uma família, um lar formados por uma viúva e seus filhos não é uma família. O que é então?

O juiz precisa entender que Direito civil nada tem a ver com ideal de família burguesa medieval. E mais: O princípio jurídico do Juiz Natural indica que as decisões do magistrado devem ser IMPARCIAIS! Juiz que não respeita esse princípio, não tem condição de julgar. O sexo não pode mais ser visto apenas pela função procriativa. As pessoas hoje praticam sexo por prazer. Duvido que ele pense em procriar a cada vez que tem uma relação sexual. O mais importante de tudo: deve ser entendido por família um núcleo social formado por laços de AFETO. O amor é que deve ser a medida, independente da orientação da orientação sexual do casal.

Isso tudo foi apenas a Baixa Idade Média, vamos para a Alta!

No seu discurso contra a PL 23 a deputada Myrian Rios fez um lindo discurso em defesa da família.

[Pausa para o túnel do tempo]

Voltemos para a pré-história da Deputada, para a sua vida antes do mandato. Quem é Myrian Rios?

O Google diz quem é Myrian Rios: Ex-atriz da TV Globo, ex-atriz de pornochanchadas, ex-mulher do cantor Roberto Carlos (sem se casar civil ou religiosamente), pousou nua 3 vezes, mãe de dois filhos (cada um de um homem diferente) e divorciada (coisa condenada pela Igreja católica). Como vimos, um grande exemplo de moça "de família".

Voltando: Ao proferir tal discurso a deputada dá provas vivas de que desconhece totalmente os mais elementares termos adequados para lidar com o assunto, desconhece algumas conquistas da ciência no âmbito da genética e da neurociência e não compreendeu ainda que o Estado é laico e que as suas convicções religiosas não devem intervir em questões de ordem pública.

Quero ressaltar em primeiro lugar algo que é bem pungente na sua fala: A Hipocrisia. Não me refiro apenas à hipocrisia de defender valores de uma religião que ela própria nunca respeitou mas, principalmente, àquela hipocrisia disfarçada sob a forma de um preconceito velado, aquele escondido, oculto. Sinceramente, eu não sei se é pior um discurso carregado de um preconceito explícito como o de Malafaia e o de Bolsonaro ou um preconceito disfarçado pela aura da piedade como é o de Myrian Rios, que finge respeitar, amar e rezar pelos homossexuais.

1 - A deputada diz pregar o amor e o respeito ao próximo. Quem ama e respeita não tenta suprimir o direito do outro, nem o trata com diferença. Demitir um funcionário por ele ser gay ou lésbica é preconceito e desrespeito. Já está mais do que provado que a orientação sexual não influi na competência e no profissionalismo do empregado.

2 - A deputada mostra não saber a diferença entre 'Orientação sexual' e 'Educação sexual'. São coisas totalmente diferentes. Orientação sexual não pode ser ensinada. Ela é individual, pessoal.

3 - A deputada diz que "Se um rapaz escolheu ser homossexual, o problema é dele". Ninguém escolhe ser homossexual ou heterossexual. Quando é que um hétero escolhe ser hétero? Ele não escolhe, as coisas acontecem naturalmente. A pessoa nasce assim ou assado. Estudos no campo da genética e da neurocência atestam isso. A orientação sexual NÃO É uma escolha. Vemos o tempo todo gente por aí dizendo que lutou ferrenhamente contra os impulsos homossexuais e nunca conseguiu vencê-lo. Nem poderia. Não é uma escolha, é uma condição: nasceu assim e vai morrer assim e como homossexualismo não é (doença), não tem 'cura' e nem dá para 'tratar' com medicação.

4 - Por último, de uma maneira muito imbecil, a deputada colocou no mesmo saco a homossexualidade e a pedofilia. Ela sugere que todo homossexual é pedófilo e dar espaço para para o homossexual na sociedade é abrir as portas para a pedofilia. A pedofilia é uma doença e pode ser encontrada tanto em pessoas hétero como em homossexuais. Se formos olhar os números, existem muito mais pedófilos héteros que gays:

Amostra aleatória de 175 abusadores sexuais de crianças: 76% são exclusivamente heterossexuais. (A. Groth 1978, Archives of Sexual Behavior)

47% dos homens condenados por abuso sexual contra meninos estavam em um casamento hetero. (P. Gebhard (1965), Sex Offenders, New York : H&R)

É preciso abandonar a Idade Média. Precisamos entender que vivemos num estado laico. A política não pode se basear num papiro considerado sagrado e não pode se nortear por ele. Não podemos tratar a sociedade atual como tratavam há 3000 mil anos atrás quando a Bíblia foi escrita. Não somos uma tribo de nômades errantes pelos desertos do Oriente. Formamos no século XXI uma sociedade ampla, complexa, multifacetada, formada por inúmeras religiões, culturas, orientações e modos de vida diferentes. Chega de argumentos vazios do tipo "Deus não criou o terceiro sexo, ele criou homens e mulheres". Não existe terceiro sexo, existem sexualidades diferentes que devem ser respeitadas, da mesma forma que deve ser respeitada a cultura ou a religião alheia.

O conhecimento não está mais restrito a um grupo social e nem trancafiado em mosteiros inalcançáveis. Ele está à nossa disposição, em qualquer lugar. Ninguém mais precisa viver sob o peso do pensamento ditado por autoridades religiosas. Vamos ler, vamos nos informar, vamos nos abrir para o conhecimento. Vamos parar de tratar os outros como inimigos ou infiéis, como os cristãos tratavam o muçulmanos. Não estamos mais na época de Cruzadas: vamos parar de derramar sangue desnecessariamente. Não estamos mais na época dos feudos: vamos deixar o isolamento dos nossos egoísmos e nos abrir para novas possibilidades. Não estamos mais na época da sociedade estamental: o mundo não é mais dividido em três classes. Somos plurais, vamos esquecer essas convenções vazias e achar que todo mundo tem que caber num padrão pré-estabelecido. Vamos parar com esta caça às bruxas: vamos parar de perseguir quem pensa diferente de nós. Sobretudo, não estamos mais em tempos de Peste negra: podemos nos aproximar. A dica já foi dada por Milton Guedes e Ronaldo Bastos na letra da música o Sal da Terra:

"A Felicidade mora ao lado, e quem não é tolo pode ver (...)"

* * * * *
Postado por Roney Torres às 00:37 Enviar por e-mail Postar no blog! Compartilhar no X Compartilhar no Facebook
Marcadores: Brasil, Religião

4 comentários:

Teo Júnior disse...

Um texto que eu gostaria de ter escrito.
Sensato, lúcido, coerente, justo, imparcial.

D. Myrian, mal comparando, mais parece aquela velhinha prostituta, pregando a castidade.


Parabéns, Roney.


Teo

27 de julho de 2011 às 10:39
Dalton Spider disse...

Cara eu adorei esse post, vc tem otimas ideias e escreve muito bem. Sabe se expressar tão bem, eu admiro e tento copiar/aprender isso...

Já sigo 2 dos seus blogs, parabéns!!!

27 de julho de 2011 às 23:11
Roney Torres disse...

Obrigado Dalton! Fico feliz que tenha gostado.

28 de julho de 2011 às 09:10
Taiany disse...

Bato palmas virtuais para ti. Estou fazendo uma cadeira de sociologia estava procurando matérias interessantes sobre comportamento humano. O livro de estudo eh: processo civlizador. E teu texto me inspirou para fazer alguns comentários sobre o que nos tornamos. Parabéns Roney. Essa eh a primeira vez que visito teu blog, achei incrível e voltarei todos os dias se assim for possível. um grande abraço.

28 de novembro de 2011 às 18:50

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Roney Torres
Guanambi, Bahia, Brazil
Baiano. Professor. Capricorniano. 34 anos. Dependente de música, livros e internet. Apaixonado por gente inteligente.
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