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terça-feira, 28 de junho de 2011

A lição do porco-espinho

Durante a era glacial muitos animais morriam por causa do frio. Os porcos-espinhos, percebendo esta situação, resolveram se juntar em grupos, assim se agasalhavam e se protegiam mutuamente. Mas os espinhos de cada um feriam os companheiros mais próximos, justamente os que forneciam calor. E, por isso, tornavam a se afastar uns dos outros. Voltaram a morrer congelados e precisavam fazer uma escolha: Desapareceriam da face da Terra ou aceitavam os espinhos do semelhante. Com sabedoria, decidiram voltar e ficar juntos. Aprenderam assim a conviver com as pequenas feridas que uma relação muito próxima podia causar, já que o mais importante era o calor do outro.

O melhor relacionamento não é aquele que une pessoas perfeitas, mas aquele onde cada um aceita os defeitos do outro e consegue perdão pelos próprios defeitos.

[Autor desconhecido]

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Marcadores: Outras profundidades

De volta à Idade Média

Caros leitores, sejam bem-vindos à Idade Média. Sejam bem-vindos a um tempo onde o Estado onde não é laico, onde religião e política são interdependentes, onde família é apenas a união de um homem com uma mulher e o sexo existe apenas com a finalidade de procriação. Sejam bem-vindos a um tempo em que os princípios cristãos são obrigatórios para todo mundo. Sejam bem-vindos! Os tempos são de obscurantismo, de dogmatismo religioso e da formação de uma teocracia baseada em preconceitos e ideias errôneas. Nossos guias por este passeio ao medievo serão o pastor Silas Malafaia, o deputado Jair Bolsonaro, a deputada e ex-atriz Myrian Rios e o juiz Jeronymo Villas Boas.

Estou pensando, talvez o premiado dramaturgo baiano Gil Vicente Tavares esteja correto em chamar este nosso período de Idade Merde-a:

“O Brasil vive numa Idade Merde-a. O avanço do país ainda está na mão dos reacionários e caretas, dos teleguiados pela imprensa e os exaltados em discursos rasos. Esses são sintomas de um povo atrasado, sem cultura e educação, coisas que demoraremos ainda um bom tempo pra resolver. (...) A legalização do aborto, o casamento homossexual e a descriminalização das drogas são pautas fundamentais para o avanço do país. E as duas primeiras vão além de seu valor prático, têm uma força simbólica que ultrapassa questões de saúde pública e direitos de família. (...)

Brincadeiras à parte, vamos falar de coisa séria. Não tratarei neste texto do Deputado Bolsonaro e o pastor Malafaia porque já expus aqui no blog o que penso sobre eles. Tratarei da neste post apenas da deputada e do juiz.

Dois acontecimentos marcaram a sociedade brasileira nos últimos dias e geraram bastante polêmica:

1 - O juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, determinou a anulação do primeiro contrato de união estável entre homossexuais firmado em Goiás, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer a união entre casais do mesmo sexo como entidade familiar. Reportagem completa aqui: http://migre.me/586cv

2 - A deputada Myrian Rios fez um discurso contra a PEC 23 que choca e envergonha pelo nível de imbecilidade, de preconceito, de desinformação e de hipocrisia.


Myrian Rios e Jeronymo Villas Boas têm muito mais em comum do que um Y muito estranho a enfeiar-lhes os nomes. Ao ser procurado pela equipe do Fantástico por ter anulado o casamento gay em Goiás, o juiz que também é pastor evangélico da Igreja Assembleia de Deus, alegou que não seguiu uma ordem do STF porque entende que família é a união de um homem e uma mulher. Esse pensamento por si só já é muito retrógrado, mas pode piorar. Baseado em seus princípios religiosos pautados pela Bíblia, o juiz afirmou ainda que a função do sexo é a procriação, garantindo a sobrevivência da espécie humana.

Analisando superficialmente, podemos perceber que ele já começou errado. Uma vez que o apóstolo Paulo disse que toda autoridade é instituída por Deus e que deve ser obedecida, o pastor pecou por desobedecer uma autoridade constituída. O Supremo Tribunal Federal tem muito mais autoridade que ele. Ordens do STF deveriam ser obedecidas. Em segundo lugar, ao analisar que família é apenas a união de um homem com uma mulher, ele retira de todos os casais formados por pessoas do mesmo sexo o direito de serem considerados também como famílias. Para ele, a função da família é procriar. Olha que legal: um lar formado por uma mãe solteira e seus filhos não é uma família, um lar onde um dos cônjuges é estéril não é família, um lar formado por idosos não é uma família, um lar formados por uma viúva e seus filhos não é uma família. O que é então?

O juiz precisa entender que Direito civil nada tem a ver com ideal de família burguesa medieval. E mais: O princípio jurídico do Juiz Natural indica que as decisões do magistrado devem ser IMPARCIAIS! Juiz que não respeita esse princípio, não tem condição de julgar. O sexo não pode mais ser visto apenas pela função procriativa. As pessoas hoje praticam sexo por prazer. Duvido que ele pense em procriar a cada vez que tem uma relação sexual. O mais importante de tudo: deve ser entendido por família um núcleo social formado por laços de AFETO. O amor é que deve ser a medida, independente da orientação da orientação sexual do casal.

Isso tudo foi apenas a Baixa Idade Média, vamos para a Alta!

No seu discurso contra a PL 23 a deputada Myrian Rios fez um lindo discurso em defesa da família.

[Pausa para o túnel do tempo]

Voltemos para a pré-história da Deputada, para a sua vida antes do mandato. Quem é Myrian Rios?

O Google diz quem é Myrian Rios: Ex-atriz da TV Globo, ex-atriz de pornochanchadas, ex-mulher do cantor Roberto Carlos (sem se casar civil ou religiosamente), pousou nua 3 vezes, mãe de dois filhos (cada um de um homem diferente) e divorciada (coisa condenada pela Igreja católica). Como vimos, um grande exemplo de moça "de família".

Voltando: Ao proferir tal discurso a deputada dá provas vivas de que desconhece totalmente os mais elementares termos adequados para lidar com o assunto, desconhece algumas conquistas da ciência no âmbito da genética e da neurociência e não compreendeu ainda que o Estado é laico e que as suas convicções religiosas não devem intervir em questões de ordem pública.

Quero ressaltar em primeiro lugar algo que é bem pungente na sua fala: A Hipocrisia. Não me refiro apenas à hipocrisia de defender valores de uma religião que ela própria nunca respeitou mas, principalmente, àquela hipocrisia disfarçada sob a forma de um preconceito velado, aquele escondido, oculto. Sinceramente, eu não sei se é pior um discurso carregado de um preconceito explícito como o de Malafaia e o de Bolsonaro ou um preconceito disfarçado pela aura da piedade como é o de Myrian Rios, que finge respeitar, amar e rezar pelos homossexuais.

1 - A deputada diz pregar o amor e o respeito ao próximo. Quem ama e respeita não tenta suprimir o direito do outro, nem o trata com diferença. Demitir um funcionário por ele ser gay ou lésbica é preconceito e desrespeito. Já está mais do que provado que a orientação sexual não influi na competência e no profissionalismo do empregado.

2 - A deputada mostra não saber a diferença entre 'Orientação sexual' e 'Educação sexual'. São coisas totalmente diferentes. Orientação sexual não pode ser ensinada. Ela é individual, pessoal.

3 - A deputada diz que "Se um rapaz escolheu ser homossexual, o problema é dele". Ninguém escolhe ser homossexual ou heterossexual. Quando é que um hétero escolhe ser hétero? Ele não escolhe, as coisas acontecem naturalmente. A pessoa nasce assim ou assado. Estudos no campo da genética e da neurocência atestam isso. A orientação sexual NÃO É uma escolha. Vemos o tempo todo gente por aí dizendo que lutou ferrenhamente contra os impulsos homossexuais e nunca conseguiu vencê-lo. Nem poderia. Não é uma escolha, é uma condição: nasceu assim e vai morrer assim e como homossexualismo não é (doença), não tem 'cura' e nem dá para 'tratar' com medicação.

4 - Por último, de uma maneira muito imbecil, a deputada colocou no mesmo saco a homossexualidade e a pedofilia. Ela sugere que todo homossexual é pedófilo e dar espaço para para o homossexual na sociedade é abrir as portas para a pedofilia. A pedofilia é uma doença e pode ser encontrada tanto em pessoas hétero como em homossexuais. Se formos olhar os números, existem muito mais pedófilos héteros que gays:

Amostra aleatória de 175 abusadores sexuais de crianças: 76% são exclusivamente heterossexuais. (A. Groth 1978, Archives of Sexual Behavior)

47% dos homens condenados por abuso sexual contra meninos estavam em um casamento hetero. (P. Gebhard (1965), Sex Offenders, New York : H&R)

É preciso abandonar a Idade Média. Precisamos entender que vivemos num estado laico. A política não pode se basear num papiro considerado sagrado e não pode se nortear por ele. Não podemos tratar a sociedade atual como tratavam há 3000 mil anos atrás quando a Bíblia foi escrita. Não somos uma tribo de nômades errantes pelos desertos do Oriente. Formamos no século XXI uma sociedade ampla, complexa, multifacetada, formada por inúmeras religiões, culturas, orientações e modos de vida diferentes. Chega de argumentos vazios do tipo "Deus não criou o terceiro sexo, ele criou homens e mulheres". Não existe terceiro sexo, existem sexualidades diferentes que devem ser respeitadas, da mesma forma que deve ser respeitada a cultura ou a religião alheia.

O conhecimento não está mais restrito a um grupo social e nem trancafiado em mosteiros inalcançáveis. Ele está à nossa disposição, em qualquer lugar. Ninguém mais precisa viver sob o peso do pensamento ditado por autoridades religiosas. Vamos ler, vamos nos informar, vamos nos abrir para o conhecimento. Vamos parar de tratar os outros como inimigos ou infiéis, como os cristãos tratavam o muçulmanos. Não estamos mais na época de Cruzadas: vamos parar de derramar sangue desnecessariamente. Não estamos mais na época dos feudos: vamos deixar o isolamento dos nossos egoísmos e nos abrir para novas possibilidades. Não estamos mais na época da sociedade estamental: o mundo não é mais dividido em três classes. Somos plurais, vamos esquecer essas convenções vazias e achar que todo mundo tem que caber num padrão pré-estabelecido. Vamos parar com esta caça às bruxas: vamos parar de perseguir quem pensa diferente de nós. Sobretudo, não estamos mais em tempos de Peste negra: podemos nos aproximar. A dica já foi dada por Milton Guedes e Ronaldo Bastos na letra da música o Sal da Terra:

"A Felicidade mora ao lado, e quem não é tolo pode ver (...)"

* * * * *
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Marcadores: Brasil, Religião

sábado, 25 de junho de 2011

Eu também tenho orgulho, viu?

A palavra de ordem nas redes sociais esta semana, sobretudo no twitter, foi ORGULHO. Tudo começou por causa da Marcha para Jesus, realizada no dia 23 de Junho na cidade de São Paulo. O movimento foi muito mais para os gays e para os políticos do que para Jesus. Aliás, se teve alguém que eu senti falta nessa manifestação, esse alguém foi Jesus.

A Marcha para Jesus 2011 foi um evento essencialmente político. Teve cara de "vamos mostrar nossa força". Do alto da sua arrogância, o virulento e retrógrado pastor Silas Malafaia, vociferava, utilizando palavreado bastante vulgar para um pastor, contra as ações anti-homofobia e contra o Supremo Tribunal Federal ao mesmo tempo em que distribuía ameaças de "aconselhar" suas ovelhas a não votarem mais em certos políticos. Os cristãos aplaudiam e exibiam o seu orgulho de gente fiel, salva e temente à palavra de Deus. Exibiam orgulhosamente as suas bíblias.

A resposta foi imediata. Os homossexuais reagiram proclamando o seu orgulho de serem gays em tudo quanto é meio de comunicação. Depois disso, os heterossexuais resolveram contra-atacar proclamando seu orgulho hétero. A partir daí todo mundo resolveu se orgulhar: orgulho ser negro, orgulho de ser nordestino, orgulho nerd, orgulho de ser mulher, de ser fã do Luan Santana, do Pelanza, e a mais nova hashtag que está bombando nos Trending Topics ou TTs do twitter (até o momento) é #OrgulhoRafah.

Parei para pensar. Quanto orgulho! E eu? Eu não me orgulho de nada?

Sim! Eu me orgulho sim, e de um monte de coisas:

Enquanto muitos alardeiam o seu orgulho de ser homossexual ou heterossexual, eu me orgulho de fazer sexo bem feito, com carinho e qualidade. Me orgulho de me preocupar em dar prazer para quem está ao meu lado ao invés preocupar-me apenas com o meu próprio gozo. Quantas amigas eu tenho com companheiros tão machões, mas que vão ao motel e eles preocupam-se mais com seu próprio corpo e com sua performance frente aos espelhos do que com elas mesmas. Além disso, eu me orgulho de não preocupar com o que as pessoas fazem com seus órgãos genitais e com quem fazem. E mais: me orgulho muito de não julgar as pessoas pelas sua preferências sexuais.

Sinceramente, eu me orgulho de ser gente. Eu me orgulho de entender que nasci um homem, mas não um ser humano. Sendo assim, me orgulho de compreender que não nascemos, mas nos tornamos humanos. Compreendo que o ser humano é uma construção. Estou fazendo-me humano a cada dia, a cada leitura, a cada música, a cada gesto. Essa mentalidade é essencial para uma leitura correta da vida, para a compreensão de minha pequenez, da minha efemeridade, da minha incapacidade de intervenção nos destinos das outras pessoas, mas, principalmente, da minha condição de provisoriedade. Tudo que eu sou é provisório, passageiro. Ontem eu era, hoje eu não sou mais. E como é bom poder mudar de ideia! Mês passado eu desprezava a cantora Adele, hoje eu a escuto compulsivamente. Concordo em gênero, número e grau com as palavras de Murilo Mendes ao afirmar que "Ainda não estamos habituados com o mundo. Nascer é muito comprido". É processo, dura a vida toda toda. Estar vivo é nascer e renascer todos os dias.

Eu me orgulho de ser mistura. Nascido de um mulato com uma branca vinda de uma família na qual uma boa parte das pessoas é loura, eu me apresento com a cor pele clara, daquelas que tenta se bronzear mas no máximo fica vermelha como camarão, com um cabelo bem escuro e pouco liso, lábios grossos e uma barba que, devido à mistura, quando começa a crescer apresenta fios ruivos, negros e louros. Que orgulho ver a pluralidade de meus genes!

Também me orgulho de compreender que eu sou um mundo dentro de outro mundo que compreende vários outros mundos e compreender que a minha medida não serve para o outro. Me orgulho de compreender que sou dono da minha consciência e que, no máximo, eu posso tentar ajudar o outro a progredir. Dogmatizar, obrigar, forçar, doutrinar... jamais! Aprendi que cada um tem o direito inalienável de gerir a sua própria vida, de estragá-la e até mesmo dar cabo dela caso ache conveniente. Me orgulho de saber respeitar os gostos, as decisões e mesmo os pensamentos alheios, por mais imbecis que possam ser.

Eu me orgulho de não conseguir mais viver na superficialidade das coisas. Me orgulho de ler bons livros e compreender a riqueza e a necessidade deles. Eu me orgulho de ler obras de Friedrich Nietzsche, José Saramago ou Hannah Arendt e compreendê-las enquanto a maior parte da população brasileira mal sabe ler, quanto mais interpretar. Eu me orgulho até mesmo de, como todo ser humano normal, não entender "O capital", obra máxima de Karl Marx. Me orgulho de ouvir músicas de qualidade, de me vestir bem e de me preocupar em sempre buscar a perfeição. Me orgulho da minha profissão, de saber que estou fazendo algo para que este país se desenvolva, ou pelo menos tentando.

Eu me orgulho de saber respeitar e me relacionar bem com as pessoas. Eu me orgulho de tratar com respeito desde as minhas colegas de trabalho que cuidam da limpeza até a minha patroa. Me orgulho de não fazer diferenciações, de não diminuir alguém por causa da sua cor, da sua sexualidade, do seu status social, das suas vestimentas, dos seus credos ou de qualquer outra particularidade.

Eu me orgulho da minha maturidade e da minha liberdade. Eu me orgulho de ser eu mesmo e ter maturidade (eu acho) para me permitir muitas coisas. Eu me orgulho de me permitir errar, de me permitir escolher os meus caminhos e a minha direção. Eu me orgulho também de retroceder, afinal de contas, é melhor voltar do que perder-se no caminho. Eu me orgulho de desacreditar enquanto todos acreditam, de dizer não quando todos concordam, de sonhar mesmo enquanto tomo choques com a realidade, de ser luz, mas também escuridão. Eu me orgulho de me apaixonar, ou de deixar de fazê-lo. Também me orgulho de saber enxergar o tempo da desistência e de não gostar de esmurrar facas. Eu me orgulho de vociferar, de bradar e gritar aos quatro ventos todas as minhas indignações, minhas vontades e tudo aquilo que eu considero justo.

Sobretudo, eu me orgulho de ter amigos. Amigos de verdade. Gente que me empresta diariamente seus ouvidos, suas palavras, sua paciência, suas histórias, seus toques afetuosos, seus problemas. Da mesma maneira, ocasionalmente emprestam-me também os seus ombros. Alguns, quando necessário, me carregam neles. Outros ainda, devido à distância física, me emprestam seu carinho, sua saudade, seus pensamentos positivos, seu amor e sua vontade de um reencontro. Outros tantos já me emprestaram seus peitos colocando-se em minha frente e levando pedradas que eram a mim direcionadas. Quantos apanharam na cara no meu lugar...

Preciso de motivos maiores que esses para eu me orgulhar? Se sou branco, preto, azul, rosa, gay, hétero, nordestino, flamenguista, vascaíno, religioso, ateu, velho, tolo... não faz mínima diferença. O que importa é que eu sou feliz.
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domingo, 19 de junho de 2011

Para reflexão: Viagens

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse: “Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que já se viu, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre." Assim é. Assim seja.

[ José Saramago ]

Texto disponível em: http://caderno.josesaramago.org/2009/06/03/viagens/


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sábado, 18 de junho de 2011

O brilho branco da cegueira


No dia 18/06/2010 eu cumpri no meu outro Blog, o Entremundos, o doloroso dever de noticiar a morte de José Saramago, grande autor português, único escritor de língua portuguesa a ganhar um Prêmio Nobel de Literatura. Na dita época transcrevi um trecho de um texto de Rogério Soares, amigo da UNEB e dono do Blog Navegantes ao mar. Ele dizia:

"Quando Gandhi foi assassinado por um fanático nos anos 40, o filosofo francês Jean-Paul Sartre disse dele: “no futuro ninguém acreditará que um homem como Gandhi existiu”. Por razões óbvias, as gerações futuras duvidarão que um homem como José Saramago viveu depois de Gandhi. Um e outro, Gandhi e Saramago, foram ardorosos humanistas. Ambos empunharam as únicas armas que conheciam, a palavra, para conquistar os sonhos de um mundo justo, decente, sem fanatismo, compromissado com causas verdadeiramente dignas de se engajarem. Defenderam, quando parecia indefensável, a causa dos menos favorecidos. Pregaram, sem nenhum proselitismo, a igualdade e a tolerância, em meio ao mais profundo caos. Viveram com o único propósito de esclarecer aos homens que aquilo que lhes aprisionavam eram eles mesmos. Livres de toda ignorância, política, religiosa, social, escolar, herdada ou forçada, todos os homens poderiam refazer os seus caminhos. Creio que como Gandhi, José Saramago, assegurou enquanto estava vivo o seu nome na imortalidade."

Hoje, dia 18/06/2011, venho para novamente homenagear Saramago, agora por ocasião do aniversário de um ano de sua morte. Posso, sem nenhum medo de errar, dividir a minha experiência como leitor em antes e depois de José Saramago. Ouvi falar primeiramente do grande mestre português numa reportagem do Vídeo Show. O repórter estava na porta de um cinema entrevistando alguns globais que tinham ido assistir a versão cinematográfica do Ensaio sobre a cegueira. Todos elogiaram muito o filme e diziam que foram assistir mais por curiosidade, para saber se o diretor do filme, Fernando Meireles, conseguiria retratar na telona do cinema todo o horror que Saramago tinha imaginado para um mundo só de cegos. Fui tomado por uma curiosidade e corri para a internet para saber do que se tratava o Ensaio. Assisti o trailler no youtube e me senti impelido a ler a obra. Fiz comigo mesmo o compromisso de só ver o filme depois de ler o livro, o que foi ótimo. O filme é quase perfeito. Meirelles soube explorar ao máximo a obra, mas não existe a menor possibilidade de explorar toda a imensidão do livro num filme com duas horas de duração. Sendo assim, toda a carga filosófica do Ensaio sobre a cegueira foi retirada, ficando apenas a exibição da sequência de acontecimentos, desprovidas de qualquer profundidade. Uma pena.

Na minha experiência, Saramago é um ladrão. Foi ele que roubou-me a inocência. Levou de mim a crença cega em uma humanidade boa, perfeita, criada por Deus e destinada à glória. Foi ele quem fez com que os pilares da nossa suposta civilização balançassem e gerassem dúvidas: Somos mesmos civilizados? Até que ponto? Somos os mesmos quando estamos na frente dos outros e quando não tem ninguém olhando? Como somos realmente sem a maquiagem da civilização? No Ensaio sobre a cegueira ele faz com a humanidade como se faz com um furúnculo: espreme-se e coloca-se toda aquela carga apodrecida para fora. É algo feio, fétido e horripilante, mas tão humano quanto o nosso egoísmo, que ele trata assim: "Ainda está para nascer o primeiro ser humano desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, bem mais dura que a outra, que por qualquer coisa sangra". Ou assim: "É um velho costume da humanidade, esse de passar ao lado dos mortos e não os ver". Ou ainda assim: "Dessa massa somos feitos, uma parte de indiferença, outra parte de ruindade". Ao mesmo tempo o mestre soube ver a beleza, principalmente aquela que não está a mostra, a que ultrapassa os limites de um corpo: "Não é pelo aspecto da cara, nem presteza do corpo que se conhece a força do coração".

Foi ele também que levantou questões tão pertinentes: vemos a realidade como ela é ou somos cegos e não percebemos? Quantos cegos serão precisos para se fazer uma cegueira? Em suas sábias palavras: "Por que foi que cegamos? Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão. Queres que te diga o que penso? Diz. Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem".

Não posso dizer que Saramago morreu cedo. Viveu mais de 80 anos. Penso apenas que a humanidade precisava mais de sua palavra. Ficamos mais cegos e mais burros após a sua morte. Mais que isso: ficamos órfãos, como continuamos até hoje órfãos de Clarice Lispector.

Peguei o Ensaio sobre a cegueira e reli três capítulos. Como da primeira vez, ao terminar o livro eu o fechei, curvei-me sobre o meu corpo e chorei. Chorei a minha inutilidade. Chorei o meu egoísmo. Chorei a minha cegueira. Chorei a falta de amor ao próximo. Depois sorri. Sorri porque a cegueira de Saramago é branca como uma folha de papel que permite que se escreva uma nova história, e isso deve ter algo de bom. Sorri porque ainda é tempo. Sorri porque não há nada mais belo do que o ser humano, do que viver neste misto de dor e de beleza. Sorri porque sempre é tempo de abrir os olhos e ver. E o próprio Saramago deixou a receita:

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara".
(Livro dos Conselhos)
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terça-feira, 14 de junho de 2011

Para reflexão: Nosotros

Não postei nada esta semana. Ando muito ocupado tentando estudar para a seleção do mestrado e outros afazeres profissionais. Para que a semana não passe em branco, gostaria de deixar um trecho de um texto que li e gostei muito. Fica a dica para reflexão:

"(…) a maior contribuição de Colombo não foi ter colocado um ovo em pé ou ter aportado por aqui depois de singrar mares nunca dantes navegados. Colombo precisa ser lembrado como a pessoa que permitiu a nós, falantes do inglês, do francês ou do português, que tivéssemos contato com uma língua que, do México até o extremo sul da América, é capaz de nos ensinar a dizer “nosotros” em vez de apenas “we”, “nous” ou “nós”, afastando a arrogante postura de “nós” de um lado, “vocês” do outro. Pode parecer pouco, mas “nós” é quase barreira que separa, enquanto “nosotros” exige perceber uma visão de alteridade, isto é, ver o outro como um outro e não como um estranho. Afinal, quem são os outros de nós mesmos? O mesmo que somos para os outros, ou seja, outros!"

(Mario Sergio CortelIa, "Folha de S. Paulo", 9 de outubro de 2003).
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domingo, 5 de junho de 2011

Assim caminha a humanidade... [2]


Resolvi nomear este post com o mesmo título do anterior porque um complementa o outro. Se o primeiro post é um brado contra a nossa letargia e falta de inteligência em brigar pelo que realmente é importante, o segundo (este aqui) é um exemplo espantoso de tudo o que falei anteriormente.



Os bombeiros tentam negociar um aumento para a sua corporação há dois anos e nunca conseguem. Estes profissionais recebem um salário de, pasmem, R$950,00 por mês. Novecentos e cinquenta reais para em muitos casos colocar as suas vidas em risco para salvar a vida alheia. Não é novidade nenhuma bombeiros e policiais morrerem em serviço. Muitos bombeiros perderam a vida enquanto trabalhavam tentando resgatar vítimas dos atentados às Torres Gêmeas nos EUA. Aqui no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, muitos bombeiros também perdem a vida fazendo o seu trabalho.

O trabalho de um bombeiro é tão importante quanto o de um médico. De que adiantaria o médico se o paciente não conseguisse chegar até ele para receber o tratamento adequado? O que um médico dentro de um hospital pode fazer por um acidentado dentro de uma caverna, dentro de um poço ou no meio de um incêndio?

Na última sexta-feira, mais de 400 soldados, cabos e sargentos bombeiros, acompanhados de mulheres e filhos, ocuparam o quartel central da corporação. Por determinação do governador Sérgio Cabral, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar (PM) e a tropa de choque ocuparam o local e prenderam os manifestantes. Cabral chamou de “vândalos e irresponsáveis” os militares envolvidos no movimento. (Fonte: UOL Notícias - Cotidiano)


Segue a lista de absurdos:

1 - Pagar R$ 950,00 para alguém arriscar a vida.
Qualquer pessoa com o juízo perfeito (ou não) há de concordar que um salário desses é, no mínimo, constrangedor, tanto para quem paga quanto para quem recebe. Não se tem verba para aumentar o salário dos bombeiros mas só com os estádios da Copa serão gastos nove bilhões de reais e ainda se tem verba para ajudar escola de samba que incendiou e para incentivar show gospel. Só uma pergunta: Quem foi lá apagar o incêndio nas escolas de samba?

2 - Chamar o BOPE e a Tropa de choque para conter um protesto pacífico.
Este governador está tratando homens de bem, honestos, pais de família, como se fossem marginais? Está achando que os bombeiros são reminiscências dos traficantes do Complexo do Alemão?

3 - Chamar os bombeiros de vândalos e irresponsáveis.
A corporação dos bombeiros é uma das pouquíssimas entidades públicas que ainda funciona bem (apesar dos salários aviltantes) e que é querida e respeitada pela população. Irresponsável é quem tira 439 homens como estes das ruas, deixando a população ao sabor dos acontecimentos. Vândalo é quem rouba o dinheiro público, quem usa esse o dinheiro para bancar contas em restaurantes, viagens e outras coisas, assim como quem depreda o nosso patrimônio.

4 - Mandar encarcerar homens de fibra e de atuação ilibada como os bombeiros.
Este tipo de tratamento se dá para bandido, para marginal, não para bombeiros. Quem devia estar encarcerado está por aí livre, leve e solto.

Em minha opinião, os bombeiros erraram ao invadir o quartel, mas não os julgo. Há dois anos eles tentam ser vistos e ouvidos por meio pacíficos. Chega uma hora que medidas mais drásticas tem que ser tomadas para chamar a atenção.

Pergunto-me agora onde é que anda a galera que gosta de marchar. Onde estão os homoafetivos que marcham todo ano em diversas cidades do mundo nas Paradas do Orgulho Gay? Ora, os bombeiros também não são motivo de orgulho para toda a sociedade? Cadê a galera que marcha pedindo para deixarem que eles fumem o seu baseado sossegados? Vocês sabem quem é vai ter que apagar um incêndio causado por uma eventual bituca de cigarro jogada por vocês em um local indevido? Cadê os evangélicos que marcham por Deus e pela família? Para Jesus que não precisa (porque já está com a vida ganha) vocês marcham, pelo próximo injustiçado não, né?

Está na hora de aprendermos a nos indignar com a injustiça, a marchar contra a maldade, contra a corrupção no sistema, contra o moralismo barato. Está na hora de pararmos de achar que o Estado é por nós. Não é. O Estado vive de interesses e eu não tenho visto ultimamente a preocupação com os cidadãos dentro destes interesses. Alguém que tira 439 bombeiros de suas funções está preocupado com a população?

Vamos marchar gente, vamos fazer protesto, vamos fazer piquete, vamos fazer passeata, manifestações, mas por coisas que sejam realmente importantes. Acima de tudo, Vamos nos defender, porque se nós não o fizermos, o Estado também não fará.
Postado por Roney Torres às 19:51 5 comentários Enviar por e-mail Postar no blog! Compartilhar no X Compartilhar no Facebook
Marcadores: Brasil

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Assim caminha a humanidade...

... com passos de formiga e sem vontade. (Lulu Santos)


* * * * * * * * * * *


Eu olho tanta marcha, tanta passeata imbecil por motivos tão tolos e penso:
Quando iremos marchar contra corrupção no governo?
Quando iremos marchar contra pedofilia na igreja católica?
Quando iremos marchar efetivamente contra a poluição no planeta?
Quando iremos marchar contra os apadrinhamentos?
Quando iremos marchar apoiando os professores na sua luta por melhores salários e por melhores condições de ensino?
Quando iremos marchar contra a lavagem de dinheiro?
Quando iremos marchar contra a exploração da fé alheia pelas igrejas evangélicas?
Quando vamos marchar contra a destruição da cultura indígena?
Quando iremos marchar contra a venda indiscriminada dos animais silvestres?
Quando iremos marchar contra a exploração do trabalho infantil?
Quando... Quando... Quando...
Enquanto isso não acontece, a gente vai marchando atrás de trio elétrico, ouvindo e cantando música ruim e esperando que a Liga da justiça faça a justiça por nós.


E Jesus, de lá de cima, deve olhar e pensar:

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Roney Torres
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Baiano. Professor. Capricorniano. 34 anos. Dependente de música, livros e internet. Apaixonado por gente inteligente.
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